Polícia para quem precisa

O ônibus intermediário Mairiporã/São Paulo deixa a maioria dos passageiros próximos à escadaria do metrô/Tucuruvi.

Rapidamente começo a descer os lances da escada que leva ao terminal quando estaco no meio do topo com uma cena que me é muito familiar; alguns policiais fazendo uma revista, não posso negar que isso me inquieta.

Dois dos três rapazes abordados pelos meganhas tinham as mãos apoiadas na parede, o outro respondia com a cabeça prostrada e os braços cruzados para trás.

Continuo a descer tentando ignorar a situação, só então percebo um dos PMs com uma pistola nas mãos subindo em minha direção. Fico apreensivo.

Penso; depois de muito tempo vou voltar a ser parado pela polícia. Mentalmente recordo todo o procedimento a ser feito; mas surpreendentemente o policial apenas diz para eu ir para o outro lado, pois eles estavam fazendo uma ‘abordagem’, embora eu não deva nada, respiro aliviado, apenas digo:

-Pode pá seu puliça!

-O que você disse?

-Pode pá, seu puliça?!

-Vire-se, encoste no muro, apoie as mãos, afaste bem as pernas uma da outra.

Mecanicamente obedeço, mas uma surda revolta começa a apoderar-se de mim, não posso deixar isso acontecer. Ainda com a cabeça contra o muro, digo bem alto:

-O que eu disse de errado?

-Malandro você com gírias ainda pergunta?

Tento ficar calmo e responder com cordialidade.

-Sou professor de escola pública, falar às vezes gírias é uma maneira de interagir com os al..., mas é só olhar na minha carteira, eu ando sempre com holerite pra pagar meia no cinema...

-Deixa ver sua carteira, já teve passagem pela polícia?

-Claro que sim, inclusive sou foragido, respondo mentalmente.

-Nunca Senhor!

Enfio a mão no bolso de trás, sem me virar, entrego a ele a carteira e espero a reação.

Os outros que haviam sido parados primeiramente parecem subitamente interessados pela minha situação. Talvez achem que com esse novo elemento em cena suas circunstâncias mudem.

Como o policial nada diz eu falo:

-Sem querer acabamos incorporando algumas gírias dos alunos...Pode pá é uma...

-Professor é bom o senhor tomar cuidado com o que diz, bom agora pode ir, tá liberado!

Mas antes ele ainda disse:

-E essa identidade tá bem velhinha.

-Eu sei, agora com as férias vou tratar de ir no Poupatempo...

-Faz isso, agora pode ir.

Esta história aconteceu.

Sim ou não?

Digamos que sim e que não.

O que há de invenção e de verdades nesse relato?

Até o momento que o policial diz para eu ir para o outro lado é verdadeiro. Também quando digo que conheço o procedimento de quando se é parado pela polícia também é correto, já fui parado inúmeras vezes, sei como é, só falta a gente receber tapa na cara, parece que a senha pra você ser parado pela polícia no Brasil é; ser homem, ter entre 15-45 anos, moreno ou negro (de preferência), ser pobre, morar na periferia, ah claro ser pedestre, a premissa pra não ser parado em abordagem é a mesma, todos os itens anteriores listados ao contrário, mas principalmente não ter pele escura e não ser morador de periferia.

Uma cena que nunca verei, certamente é uma viatura da polícia em um condomínio ou bairro de bacana fazendo suas famosas abordagens, humilhando gente branca e bem vestida.

No Brasil se você não tiver cara que ascendeu socialmente, você tem que provar isso.

Todos são iguais diante da lei, mas para alguns a lei é mais igual do que para outros.

Compro o bilhete de metrô, mas a cena do tira vindo ao meu encontro com a arma na mão não sai da minha mente.

Ignoro a locução feminina do metrô anunciando a estação ‘Parada Inglesa’, minha cabeça fervilha, penso, isso rende uma crônica, seria legal escrever sobre isso; o quanto a polícia brasileira é via de regra, despreparada, incompetente e na maioria das vezes preconceituosa.

Então não é difícil imaginar o que teria acontecido se eu realmente tivesse respondido ao policial com um simples, pode pá?

Fim

NÁSSER AVLIS
Enviado por NÁSSER AVLIS em 25/11/2017
Reeditado em 26/11/2017
Código do texto: T6181776
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