Rotina (Parte I - teste)
Queria estar dormindo, mas estou em pé. Defronte ao espelho escovando os dentes, notando as olheiras crescendo mensalmente em meu rosto, só consigo pensar nisso. A cama mal arrumada, os copos em cima do vaso sanitário, ao menos o chão está limpo com meia dúzia de calçados virados.
Queria estar dormindo, mas estou em pé. Saio de casa, viro a esquina e a criaturinha de 23 empaca a minha frente com a pergunta de sempre:
- Bom dia senhor, diz ela com aquele sorriso forçado de todo candidato ao primeiro emprego, o senhor já possui banda larga?
Pela sexta vez em 1 mês respondo que sim e antes que consiga atirar-me à repartição, ela prossegue:
-Tenho certeza que o senhor não conhece os planos da GVT, a melhor prestadora de Internet do Rio, com planos de 300 megabytes por segundo, sem franquia.
E foi se achegando, seguindo o procedimento das vendedoras de desgraça. Quem você quer enganar, minha filha! Estamos no Rio de Janeiro, a capital do tráfico nacional, do funk e da putaria. As pessoas de bem não olham para a sua cara, a não ser para vender produtos que você não precisa e que eles mesmos não usam! Internamente colerizado, desabaria os impropérios adequados a quem importuna seis dias por mês com as mesmas perguntas e não reconhece as orelhas de abano, o nariz achatado, o queixo duro e o corpo robusto, mas utilizei as cinco últimas respostas.
-Estou atrasado, lamento.
Maldita hora que troquei Porciúncula por este hospício.