A MATANÇA DO CAPADO
A tarde chegava!
As crianças recolhiam garras de pinheiros no canto do paiol.
Garras secas, prontas para pegar fogo.
A noite achegava, a madrugada avançava e a alvorada aparecia sorridente pelas bandas do Morro do Jatobá.
Grito de porco gordo, coitado!
O final da vida dele chegou!
Não imaginou que tanta comida boa de graça tinha uma finalidade.
Uma cravada certeira da peixeira número 9 de papai e uma bacia para colher o sangue que vinha torrencialmente do coração do suíno.
Depois um sabugo tapava o buraco feito pela peixeira.
No terreiro em frente do paiol, um fogaréu em cima do pobre capado.
Depois de torrar os pelos de um lado, virava o obeso suíno para limpar do outro.
As crianças curiosas levantavam mais sedo para ver o sacrifício.
Os vira-latas latiam, abanavam os rabos, salivavam e esperavam os cascos de unhas queimadas.
Depois de tostado por fora, papai com sua peixeira afiada, de cabo de chifre colorido em listas de preto e branco, começava abrir um profundo corte na garganta banhuda, para apresentar a abundância da família.
Ia abrindo e limpando, recolhendo tudo, pois cada coisa tinha seu valor.
Depois, dividia em duas grandes partes de toucinho puro.
Pronto! Tudo pronto!
Era a vez de mamãe e eu lidarem com toda aquela banha.
Corta daqui, incisa dali, e iamos destrinchando as gorduras sem parar.
Taxo no fogão improvisado no terreiro, e muito cozimento.
Na bica d'água, mamãe lavava as tripas do capado. Muito limão com fubá e uma varinha. Assim ela ia virando todas as tripas pelo avesso.
E eu era encarregado de levar pequenas porções de carnes para os vizinhos.
Assim falava mamãe: - "Essa pá cumai Lira, essa ota pá cumai Cândia, essa aqui pá cumai Ineis,..." E por aí ia. Uma ligação humanística fantástica. O partilhar da abundância de um capado com a vizinhança.
Em contrapartida, as vasilhas retornavam com arroz, farinha de mandioca, de milho, feijão e tantos outros alimentos da região, tudo para agradecer.
Ao cair da tarde o porco estava finalizado.
Os torresmos numa lata, as carnes mergulhadas na gordura em outra... A pele com o toucinho já se encontravam no fumeiro! O chouriço de sangue bem temperado, com cheiro verde e até folhinhas de erva doce, esse, também fazia companhia para os toucinho no varal do fumeiro.
A noite chegava e mamãe começava a encher as tripas limpinhas, com carnes moídas e bem temperadas.
Ela ia colocando-as no fumeiro, uma a uma, todas com furinhos de agulha para sair o ar concentrado.
Depois, um bom banho e todos para a cama.
A matança do gorducho naquelas altas montanhas era assim.
Uma fartura e tanto!
E muita partilha.
E uma boa vizinhança.
É isso aí!
Acácio Nunes