A ENTREVISTA
O silêncio predominava na sala. O ar condicionado fazia a temperatura ambiente parecer sepulcral. Os oito candidatos agiam de modo diferente. Uma mulher fingia ler um livro, mas "vigiava" a todos por baixo das grossas lentes. Ao seu lado uma loira procurava algum "resquício" de unha que ainda existia em seus dedos. Cibelle era a mais tímida, quase não falava e o seu olhar quase sempre visualizava a parede branca da sala. Carol arrumava o cabelo de vez em quando. A tintura nova era uma das suas conquistas. Lindinalva remexia na sua bolsa à procura de alguma coisa que não precisaria naquele momento. André puxava frequentemente o cadarço do tênis novo, e às vezes olhava para a porta, mas baixava a cabeça. Dayse balançava a perna toda vez que entrava alguém na sala. Ela parecia nervosa e suava muito. Um candidato vesgo mordeu tanto a tampa da caneta que as suas gengivas sangraram. Todos aguardavam a sua vez para a entrevista com o psicólogo da Seniors & Masters. A vaga oferecida exigia experiência em conhecimento em redes sociais e, principalmente simpatia e criatividade. Diante da crise todos almejavam o emprego de relações públicas em uma grande empresa de Internet. Até os cargos mais simplórios exigia-se habilidades com o computador. A sede da empresa impressionava pela grandiosidade e luxo. Quem entrava na recepção recebia um cumprimento amistoso de belas funcionárias com os seus terninhos cinza. Os jornais comparavam a sede da Seniors & Masters com a da Google. Por isso os candidatos estavam ansiosos. A expectativa de receber altos salários e grandes benefícios dominava o pensamento de cada um deles na sala de espera. O relógio já batia 10 da manhã, e ainda ninguém fora chamado para a entrevista. Algumas vozes no corredor obrigavam a todos levantar o rosto em direção a porta. Carol tentou uma conversa com a mulher do tal livro e explicava o processo de tintura de suas madeixas, mas ela apenas lançava um olhar de desprezo. Após dez minutos entrou um homem bem vestido, cabelo na grife e um óculos escuro. Ele olhou toda a sala, calado e com as mãos nos bolsos pediu: - Por favor, identifiquem-se. O primeiro foi André, que ao ficar de pé, caiu diante do homem elegante. Os cadarços de seu tênis estavam desamarrados e provocaram o vexame. O candidato levantou-se e arrumando os longos cabelos se apresentou ao interlocutor. O homem olhou-o de cima a baixo e fez um sinal negativo. Em seguida ele chamou Dayse, que se apresentou, listou as sua habilidades profissionais, mas não controlava o suor excessivo. O homem apontou para Lindinalva. A candidata parou de mexer na bolsa e passou meia hora tentando relatar o seu desempenho em empregos anteriores. Apesar da gagueira ela conseguiu concluir o seu relato. O homem elegante apurou a garganta e disse para todos: - Pessoal, vou precisar que todos fiquem apoiados em um pé apenas e tente pular de um lado e outro. André pensou logo: - Vou me dar bem, sou mais jovem do que os outros e vou ficar com o emprego. A sala transformou-se em uma "academia". O pula pula foi intenso a ponto de provocar suor nos candidatos mesmo com a temperatuda ambiente de 17 graus. Porém a porta da sala abriu-se repentinamente. O homem elegante olhou para trás e sentou-se na primeira cadeira que encontrou vazia. A figura sisuda de um homem maduro fez os candidatos pararem a sua "atividade física". O homem maduro identificou-se como o psicólogo da empresa e questionou a atitude dos candidatos. Todos apontaram para o homem elegante, que se identificou como mais um desempregado naquela sala. Ele contou que tinha feito apenas uma brincadeira. Isso provocou a ira dos demais que partiram para cima dele. Após os ânimos acalmados, todos foram dispensados. Mas soube-se dias depois que o candidato contratado foi o tal homem elegante. A alegação da contratação foi a liderança exercida por ele diante dos outros candidatos. Além disso a sua expontaneidade e criatividade contribuiram para a sua contratação, embora a sua principal habilidade de coveiro não ajudasse muito.