Rompantes

- Parabéns pela sua decisão. Então está mesmo disposta a adotar a Franciane?

Do outro lado da mesa do pequeno consultório, a assistente social encarava Edna com ar de tranquila expectativa. A resposta veio, afirmativa.

- Sim, eu pensei bem. Já faz um mês que venho ao abrigo, e sinto que posso levar a Fran para a minha casa.

- Edna, você vem ao abrigo somente nos fins de semana - ponderou a assistente, enquanto tomava notas numa caderneta. - Aqui, as coisas estão sob controle. Quando tiver que conviver diariamente com a menina, terá que enfrentar a realidade: Franciane não é uma criança fácil. Na verdade, já foi devolvida três vezes durante o estágio de convivência.

Edna franziu a testa e inclinou o corpo para a frente:

- Três vezes? O que houve?

- Ataques de fúria.

O rosto da assistente continuou tão sereno quanto antes, ao dizer aquilo.

- Como assim... ataques de fúria? Ela se joga no chão, grita, se descabela?

A assistente fez um gesto evasivo.

- Coisas do tipo. Certo, normalmente não se esperaria que uma menina de dez anos de idade tivesse esse tipo de comportamento... é algo que está mais associado à crianças bem pequenas, na primeira infância... mas o histórico da Franciane é complicado. A mãe era usuária de drogas... ela nasceu com sequelas. Quase não se nota, exceto quando ela tem esses rompantes.

Edna cruzou os braços, enquanto pensava sobre a informação que acabara de lhe ser dada.

- E... o que os outros candidatos a pais adotivos falaram sobre o que provoca essas crises? Além de eventuais problemas neurológicos da criança...

- Franciane desafia a autoridade constantemente. Os pais acabam se cansando e a devolvem, sob a alegação de insubordinação e temperamento difícil.

E ergueu os três dedos centrais da mão direita.

- Três vezes, não esqueça. Será que você vai ser a quarta a desistir?

Edna fitou a assistente social com ar decidido.

- Só vou saber se tentar, não é?

E, erguendo-se da cadeira:

- Minha filha vai para casa hoje.

- [08-11-2017]