Conto das terças-feiras – Trágicas decisões
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 7 de novembro de 2017
Ela estava com apenas dezesseis anos. Seu sorriso luminoso encantava a todos. Inteligente, já se preparando para o vestibular de Medicina, não suportou a tragédia que se abateu sobre a sua família, a perda dos pais.
Foi em um acidente de carro, na subida da Serra de Guaramiranga. Tudo corria bem até o encontro com outro automóvel que trafegava em sentido contrário. Embora dirigindo em baixa velocidade, pois era bastante cauteloso, os faróis do carro que descia a serra brilharam diretamente nos olhos do pai de Gabriele. Ofuscado pelo clarão à sua frente, o motorista deu pequeno golpe no volante levando o seu carro para o lado direito, evitando o encontro frontal. Bastou isso para que o carro despencasse de uma altura de mais de trinta metros, incendiando-se em seguida.
Gabriele estava com Daniel, quando ficou sabendo da notícia da morte dos pais. Por mais que o rapaz tentasse confortá-la, a garota gritava desesperadamente. Não chorava, mas de sua garganta saiam gritos apavorantes, nem parecia aquela garota tímida e meiga. O rapaz chamou um médico que lhe aplicou um calmante intravenoso.
Depois de comunicar o ocorrido aos parentes dela, Daniel procurou descansar, pois um tio de Gabriele se prontificara a dar andamento ao processo de liberação dos corpos junto à polícia e de todos os trâmites relativos ao atestado de óbito, velório e sepultamento.
No outro dia, ao acordar, Gabriele se deu conta do que tinha acontecido na noite anterior. Levantou-se, foi para a cozinha, pediu café à empregada que já estava ali desde as oito horas e já a par dos acontecimentos. Ela tentou abraçar a menina Gabi e foi rechaçada. Decepcionada, a empregada afastou-se e foi preparar o que a garota havia pedido, servindo-a em seguida.
Passadas algumas horas da ausência de Daniel, que havia saído da casa da namorada logo cedo para acompanhar os preparativos finais dos funerais, Gabriela começou a apresentar grave perturbação em seu estado de ânimo. Não chorava, tentava, mas não conseguia. Em acesso total de loucura, jogou-se do 12º andar do prédio onde morava. A empregada só ficou sabendo quando o interfone tocou e o porteiro avisou. Ela saiu desesperada, desceu as escadas, pois não queria esperar o elevador, ele demorava muito. Chegando no térreo não teve coragem de olhar para o corpo da pequena Gabi, que havia ajudado a criar. Atônita, ela só chorava.
A polícia chegou, fez as perguntas preliminares, pediu para a empregada acompanhá-los até o apartamento da garota. No elevador ela contou o que havia ocorrido na noite anterior. Um policial anotava tudo. No apartamento, mais perguntas, fotos, olharam pela janela de onde a moça se atirara, mais fotos. A empregada, de olhar fixo no nada, continuava chorando.
Entre os pertences da garota os policiais encontraram o número do celular de Daniel. Uma ligação foi feita e do outro lado atendeu o namorado da garota. O policial explicou o que acabara de acontecer e o celular ficou mudo. Uma hora e meia depois Daniel apareceu na porta do apartamento dos pais de Gabriele, perguntando por ela. O carro do IML já havia levado o corpo. Ele se abraçou com a empregada e os dois choraram.
Dirigindo-se para o quarto da namorada Daniel teve a impressão que ela ainda estava ali. Passeou pelo quarto, como se estivesse à sua procura. Tudo estava como ele havia deixado pela manhã, só não ela. Seu perfume continuava na cama, já cuidadosamente arrumada tal qual ela gostava. As roupas e sapatos estavam no armário, a maquiagem cuidadosamente arrumada no armário do banheiro, tudo muito limpo, ela era bastante cuidadosa com suas coisas. — Era difícil acreditar no que acabaram de lhe contar, pensou o rapaz.
Depois de alguns minutos ele se retirou do quarto, perguntou aos policiais se iriam precisar dele; a resposta negativa o fez caminhar para o elevador, descer até o térreo, parar, olhar para ver o local da queda, já limpo e sem nenhum vestígio do que tinha acontecido. Ele então baixou a cabeça e se dirigiu ao portão de saída para nunca mais voltar àquela rua, aquele apartamento, àquela cidade.