O Sermão Dominical

O Sermão Dominical

Domingo. Igreja lotada às 7 horas. O alarido dos fiéis se cumprimentando, se ajeitando nos bancos, crianças correndo, bebês chorando. Aos bebês as generosos mamas. Às crianças cara feia e safanões. Raros afagos. A infância é energética, os pais precisam impor limites, ser enérgicos. O padre sempre repete: “A educação tem que vir do berço. A família educa. A escola ensina. A igreja colabora. A sociedade molda. A justiça pune. A vida cobra. Como no restaurante, ninguém escapa sem pagar a conta.”

O padre e seu séquito adentra solenemente ao altar decorado, muitas flores. O organista se esmera. O coral se alinha. Após os rituais iniciais, ao sinal do respeitado padre, o maestro comanda o mavioso coral, maioria mulheres. Ainda assim, as vozes masculinas se sobressaem, harmoniosamente. Fiéis encantados, espíritos elevados, o padre com um gesto silencia o coral. Lentamente eleva e abre os braços até a altura dos ombros, as mãos girando aos poucos até as palmas ficarem para cima. Enquanto passeia o esplendoroso olhar sobre a imensa plateia, intimamente se regozija com o efeito teatral que busca causa causar. E inicia o esperado sermão dominical:

“- Meus filhos... Quem criou o mundo foi Deussssss!“ Ribombou o vozeirão, ecoando e despertando alguns fieis ainda sonolentos. Nesse momento, um fiel, gaiato, lá no meio, murmura:

“- Vixeeeee...” Uns risinhos abafados, algumas carrancas de reprovação.

“- Estamos todos aqui, nesta linda manhã de domingo, por amor ao Senhor Deus onipotente, que a todos perdoa, indistintamente. Vamos orar fervorosamente, rogar à Virgem Maria pela cura dos adoecidos e por mais atenção aos necessitados. E também pelas vítimas da crescente violência nas cidades e no campo e por seus familiares.”

Enquanto sua fala ecoa pausada e claramente, gesticula lentamente. Olhando firme para cada fiel, vai direcionando os olhos para todos da plateia. Seu olhar não para de se movimentar, em todas as direções. Ele quer que cada fiel se sinta agraciado com seu olhar direto. Orador experiente, consegue detectar o grau de atenção, de envolvimento da maioria. Os mais atentos são premiados com um olhar mais prolongado, às vezes seguido de breve sorriso e ligeira inclinação da abençoada cabeça. Nesse instante o fiel aquinhoado suspira, respira mais fundo, se sente “especialmente abençoado”. É justamente isso que o padre deseja: Que cada fiel se sinta hipnotizado com suas palavras, por mais óbvias e pleonásticas que sejam.

“- Devemos ser solidários com os mais necessitados, com essa legião de desabrigados, com a infância relegada à própria sorte. Não podemos aceitar passivamente tanta desigualdade, tanta injustiça, tanta maldade. Devemos e podemos doar o que for possível, repartir o pão nosso de cada dia.”

Aquele mesmo gaiato falou baixinho, mas para si mesmo: “E lá vem a sacolinha.” Desta vez a esposa dá-lhe uma cotovela e um olhar feroz. O baixinho se encolhe, tenta disfarçar a dor na costela, mas seu esgar não nega: Doeu mesmo. O magrelo se ajeita no banco e se recolhe à sua insignificância costumeira. Junta as mãos, fecha os olhos e finge rezar.

“- Meus irmãos !!!!” O padre eleva a voz e as mãos, para novamente despertar os sonolentos, os desatentos. “- Hoje não podemos deixar de falar nos políticos corrompidos que são diariamente denunciados e julgados, na séria crise que desestruturou a economia nacional, gerando o maior nível de desemprego já visto neste país. Neste nosso amado país tão promissor, tão pleno de riquezas naturais, de recursos de toda ordem em todos os quadrantes da nação.” E toma gesticulação, entonação, vibração, emoção. A plateia sente o impacto e se mexe febrilmente nos bancos.

“- A hora é agora, vamos todos protestar – por todos os meios – contra essa calamitosa situação. Vamos exigir dos políticos eleitos mais coerência, mais respeito aos eleitores, mais providências adequadas para reverter esse terrível rombo nas contas públicas. Muitos dirão que esse assunto não deveria ser trazido à baila aqui neste solo sagrado, que política de discute nas casas legislativas. Ora bolas, que se danem !!!! Quem ocupa cargo eletivo só se preocupa em fazer articulação política para troca de favores e para legislar em causa própria. BASTA !!!! ACORDA MEU POVO !!!!” A plateia se empolga, aplaude, solta gritos de apoio, uns gritam “Lula Ladrão, ”Dilma safada”, “cadeia para esses canalhas”, “é golpe, é golpe”, “fora Temer”.

O padre, super satisfeito, acena com as mãos, pedindo silêncio. Mas dá um tempo para que o povo se manifeste, se desabafe. Em seguida retoma, em tom conciliador:

“Calma, calma, meu povo querido, vamos nos acalmar e manter a compostura. Violência não. Protestos pacíficos sim. Mas não vamos incendiar a nação. Vamos somente exigir nossos direitos de eleitores.” A plateia se acalma e o padre reinicia:

“- Vamos extirpar essa Ditadura Republicana que aprisiona o povo, enquanto dilapida o Tesouro Nacional descaradamente, sob a proteção da chamada Constituição Cidadã, que consolidou no poder a cúpula dos Três Poderes. Tanto os Três Poderes quanto as economias mistas e as autarquias em geral estão infestadas de apadrinhados de políticos safados, canalhas.

É hora de se introduzir no direito brasileiro a RENÚNCIA PREMIADA, onde os ocupantes de cargos eletivos fariam acordos com a PGR, para devolver as propinas recebidas e os salários dos últimos mandatos, desde 2001, em troca de penas alternativas.

Uma ideia a ser desenvolvida e implementada pela parcela (menor do que 10%) do STF e do Congresso que não tenham se enlameado no mar de corrupção que afundou o país. (PS.: Sou apartidário, apenas um aposentado pela CLT após 38 anos de contribuição e por mais 10 anos contribuinte ininterrupto / convicto da Previdência Social).

E MAIS: Tornar todos os cargos eletivos SEM REMUNERAÇÃO, sem privilégios ilegítimos e imorais e sem aposentadorias milionárias. No máximo poderão "contar em dobro" o tempo em que exercerem simultaneamente o cargo eletivo e suas respectivas profissões.“

Nesse momento a plateia não se contém e ruidosamente aplaude, grita, bate os pés, abraça e aperta as mãos de quem está ao redor.

E eu acordo, agitado, sentado na cama com os braços levantados, gritando slogans contra os corruptos. Ao me dar conta, sorrio e em seguida começo a gargalhar. Mais um sonho, mais uma quimera. Mas, quem sabe um dia...

(© J. M. Jardim - Lei 9610/98 - By “O Dia da Revolta dos Abobrinhas”, no prelo, RG Editores-SP)

Juares de Marcos Jardim
Enviado por Juares de Marcos Jardim em 05/11/2017
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