ETERNIDADE VÃ

Após tanto tempo, ele chora.

Não sabe se foi a notícia da partida, ou se a música (dela) que toca na casa distante.

Chora, como a certeza que morrerá no desencanto das lembranças.

Sente em si um futuro incerto, como nuvem passageira, sem chuva, que não sejam lágrimas.

Há momentos em que a sente próxima.

Inutilmente.

Uma desinteligência de tudo ocupa os espaços onde cultiva os brotos da ausência.

Como se a alma acordasse de si mesma e se manifestasse para a vida como longos e represados soluços.

Desenha-lhe os traços no ar, e eles têm a nitidez surpreendente de suas memórias.

Calou tudo. Assim como calava cada lembrança insistente e que agora não pôde reprimir.

Corre os cômodos da casa ampla e vazia e uma dor profunda assoma-se como as linhas invisíveis dela desenhadas no ar.

Como um fantasma numa cidade em preto e branco, os prédios são muralhas onde morre, morre, morre, sem uma última alternativa a que se agarre, desgastando tudo como num olhar distante.

Recorda-se então de um trecho em Fernando Pessoa e nele também tem “vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.”

Sim, é como que se sente sem ela...

Matéria vazia.