BITUCA
 
     O sinal muda a cor. Os motoristas, à minha frente, ignoram o alerta amarelo e avançam. Paro e dirijo o olhar ao retrovisor esquerdo.
     Ele caminha rente ao meio fio. Pele e roupa no mesmo tom: camisa e calção pretos, chinelos de borracha com correias entre os dedos. Carrega, sobre o ombro, um volumoso saco preto que joga ao chão e senta-se ao lado. Rasga o volume com impaciência. São embalagens de comida, conhecidas por quentinhas. Imagino o descarte do banquete dos operários de um prédio em construção, na mesma rua. Uma após outra, engole as sobras de feijão com arroz e mastiga com gula os ossos de galinha.
     O relógio no painel acusa cinco da tarde. A criatura faminta recebe com simpatia, os olhares da plateia. Sei que não é hora e local para almoço, mas vão me engolir.
     O semáforo em verde encerra a sessão, os motores aceleram.
     De um automóvel voa uma ponta de cigarro que invade a boca cheia. Sem tempo para interromper a refeição, não há impropérios.

Lançamento na XI Bienal Internacional do Livro de PE - 2017
 
Ed Arruda
Enviado por Ed Arruda em 02/11/2017
Reeditado em 02/11/2017
Código do texto: T6160586
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