Produto Notável
 
     Apaixonada pela matemática e professora há quinze anos, empenha-se em apagar nos alunos, o tabu sobre trabalhar com números e fórmulas. Bandeira da mestra, letras e numerais namoram e assumem compromisso nas construções algébricas.
     Eu pertencia ao conjunto binário, porém, a segregação homeopática prescrita em gotas de sofrimento envenenou a relação. O preconceito manifestou que a conduta era extracurricular; não se realiza a soma e rejeita a multiplicação. Recuso o produto por valor à vida. Na aritmética, um mais um são dois, mas alcança o exagero na cabeça e desejos de quem não aprende a lição.
     Sou prisioneira no círculo da intolerância e não enxergo entrada ou saída. Agora, pertenço a conjunto unitário sem interseção, onde gritar não há quem ouça e para correr falta espaço. A natureza não me presenteou pernas roliças e torneadas, corpo sinuoso, seios para decote, capaz de atrair olhares masculinos. Meus dons são espirituais. Não estou em crise e sim em degredo, enquanto o mundo ignora meus direitos.
     Chego à encruzilhada que me obriga a escolha de um seguimento de reta para caminhar em movimento retilíneo uniforme. O caminho mais curto para alcançar objetivos é seguir em linha reta e por assim andar, me sinto hipotenusa que se alinha aos catetos em união perfeita, por ser meu quadrado, a soma dos quadrados de ambos.
     A proximidade dos quarenta anos e relatos de obstáculos à minha idade para a maternidade aumentam o receio à multiplicação e falta um Pitágoras, que diante de mim, no ângulo de noventa graus entre os catetos, forme triângulo retângulo e dispense a operação da lei dos cossenos.
     Em uma manhã de sexta-feira, o encontrei na sala dos professores. Vestia calça preta, camisa social azul celeste com filetes vermelhos. Cabelos penteados no gel, pele alva e bem cuidada, não havia barba ou bigode. Corpo enxuto, acima de um metro e setenta. No olhar, oceanos azuis. O sorriso de criança dirigido a mim, flecha tangente a meu objetivo.
     – Bom dia, professora! – Bom dia, não poderei atender. Após o segundo horário terei um tempo livre e se puder esperar.
     Pelo mostruário sobre a mesa de reunião percebi que era vendedor de livros, revistas e canetas. Ele esperou e embora não tenha comprado nada, à noite saímos para jantar. Atravessamos os três meses de namoro nas operações básicas. O casamento colocou o traço de união e sessenta dias após, tivemos na prova dos nove fora: a confirmação de ser homem e mulher.
     Durante a gravidez, minha dificuldade foi superada pelo sonho da maternidade. Não perguntei o motivo dele por medo de ofensa, mas gostaria de conhecer a razão do matrimônio.
     As luzes se voltaram para a filha que se desenvolvia e prendia a atenção. Pouco tempo sobrava para as operações matemáticas do amor, era perceptível que evitávamos.
     Após o nascimento e dever de casa em atraso, éramos duas hipérboles com foco sobre mesmo eixo, nossa filha e olhares voltados para horizontes distintos. Ele nos dava atenção e carinho e não me incomodava a possibilidade de ponto fora de curva. Meu desejo de mãe estava atendido e isso me bastava. Duas retas paralelas tocadas por uma normal no ponto, filhos. Deus sabe quando resolveremos nossas vidas e seguiremos nosso caminho em paz.
     O término da licença maternidade me levou ao trabalho. De início, deixávamos Luísa com mamãe. Íamos juntos e lá, nos separávamos.
Outra sexta-feira cruza o caminho. Não soma, é o formato clássico de fracionamento.
     – Alô, é a professora? – Sim, Adélia.   – Sou Carminha, vizinha da senhora. – Pois não, dona Carmen. – O que tenho a dizer é chato, nem sei se devo. – A senhora ligou, então fale. – É seu marido. – O que tem ele? – Depois que vocês saem com a menina, ele volta com dois homens e passam às manhãs em casa. – São negócios, é vendedor.  – Mas, são os mesmos rapazes... – Obrigada, Dona Carmen, bom dia.
     O tom de mistério da interlocutora me leva à compreensão da dúvida de meus alunos diante de um problema. Possuem as fórmulas, mas qual se aplica? Então, por que deixar para depois?
     Na rua deserta, sem pressa, caminho pela calçada oposta e paro em frente à casa. Hesitação de quem respeita o desconhecido. A brisa matinal acaricia a folhagem dos arvoredos, o sol banha o casario suburbano e vira-latas perambulam. Não há sinal de alma viva. Onde fica o mirante de dona Carmen?
     Respiro fundo, atravesso a rua, ponho a chave na fechadura e em duas voltas meus olhos invadem a sala, os ouvidos se enchem da música que vem do quarto.
     Tiro os sapatos, caminho pelo corredor e deixo o olhar entrar sozinho. Sim, Fabiano, o pai de Luísa, se dedica às operações algébricas. Realiza o produto notável do quadrado da soma de dois termos em nossa cama com dois rapazes.