Diferenças Iguais
 

Falando em preconceito, aconteceu comigo um interessante caso. Eu rapaz, criado em cidade do interior vivi rodeado de mulheres em minha criação. Modelei-me sensível nas aparências e forte nas persistências assim como as mulheres de minha casa.
Tenho pele escura, religião africana, tipo físico fora dos padrões europeus e consciência política apurada. A consciência política, consegui logo após minha vinda à cidade do Rio de Janeiro em 1968. Tempos brutos da vida brasileira.

Certa vez, ainda com a ingenuidade do interior, parei para comprar cigarros junto à bela namorada que a juventude me dera. Fui cercado por seis homens, minha bela namorada disse-me logo após o incidente que eram homens sincronizados, tinham jaquetas iguais, sapatos iguais, cabelos iguais e me batiam em uníssono. É claro que quem apanha não quer lá muito saber do desempenho de seus algozes, porém o que pude compartilhar quase desacordado foi quando minha bela namorada perguntou aos berros o porquê da violência e eles responderam em igual combinação.

Porque ele é negro, senhora!

Ai, ai, o quão educados foram esses rapazes, hoje em dia os jovens não costumam usar o tratamento “senhora“ em suas frases. Mas o caso é que a partir daquele momento soube que ser negro era algo perigoso.

O ano de 1982 trouxe-me algumas outras surpresas. Já naquela época tinha eu perdido minha costumeira inocência assim como a namorada de outrora. O Brasil havia perdido a copa. Fora um ano de perdas. Parei por um instante em frente às balsas para Niterói. Naquele momento sozinho, na madrugada, resolvi voltar a pé para casa, fui questionado por três homens sobre minha opção sexual, disse a eles que era homem, e muito. Tomei bastante porrada naquela madrugada e não pude verificar se eles me batiam em sincronia, mas pelo visto não, pois cada um falava uma palavra diferente... Preto! Gordo! Veado!

Recolhi meu cachecol bordado por minha falecida mãe e joguei fora os pedaços da blusa com tons rosa que eu usava naquela madrugada. Tempos depois um amigo disse-me que o motivo de meu infortúnio estava na escolha de meu figurino.

Cheguei então à conclusão que ser preto, veado, portador de blusa rosa e gordo, era perigoso.

Já na Irlanda em 1993, depois de longas reviravoltas em minha vida, fui correspondente para um jornal brasileiro. Enquanto entrevistava um casal de senhores sobre a divisão política entre católicos e protestantes, fui agredido ferozmente. Enquanto desesperadamente eu gritava: eu não sou católico! Chutes católicos me cobriam a cabeça. Porém quando gritava: eu não sou protestante! Chutes protestantes me cobriam a cabeça.

Cheguei à conclusão que: neste mundo é sempre bom tomar partido!
Já aqui na Alemanha, terra de grandes filósofos, passeava eu com minha bela esposa quando um sujeito parou-me e disparou um soco cinematográfico em minha face. Vendo que ele não continuou e nem sequer anunciou um assalto, perguntamos quase em sincronia eu e minha esposa: por que está agredindo? Completei a frase dizendo: porque sou preto, veado, gordo, mal vestido, católico ou protestante? Para minha surpresa o jovem respondeu: não, senhor! Bato em ti porque és um ser humano e eu não gosto de seres humanos, em mim mesmo surgem ímpetos de autodestruição, mas hoje eu quis agredir a meus pares.

Surpreso, eu disse a ele: Rapaz! Pois então pode bater, sentirei-me lisonjeado em ser agredido por motivos de igualdade e não por diferença. Pela primeira vez apanharei de um homem que se julga igual a mim. Vamos, pode bater.

Ouvindo isto, o rapaz perdeu o interesse na agressão e apertou minha mão com uma irmandade comovente! A cena estava se tornando emocionante, não fosse os cinco dedos de minha esposa esbofeteando o rosto do rapaz num acesso de raiva descomunal. Paramos chocados eu e o jovem rapaz e olhamos para minha esposa perguntando quase em sincronia: por que está agredindo?

Ela respondeu: eu amo o ser humano!

 
Carlos SJ
Escritor, Psicólogo, Músico
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BN – Biblioteca Nacional