Mais forte do que você

A garçonete aproximou-se de nós, bloco de notas na mão. Uniforme rosa, avental branco, uma loura de seus 40 anos, aparência cansada. Tive pena dela. Parecia alguém com crianças pequenas esperando em casa e que não estava ganhando gorjetas suficientes.

- O que vão querer? - Indagou.

- Pra mim, café e torta de maçã.

Loretta ainda parecia chocada pelo que eu acabara de falar. Remexeu-se ao meu lado, depois ergueu os olhos para a garçonete.

- Café e um cheeseburger... por favor.

Por favor. Eu estava tão ocupado pensando na minha vida de merda que nem pedira por favor. Sorri para a garçonete.

- Por favor... Ruby.

Era o nome que estava escrito no crachá dela.

- Pois não. Eu já volto...

Olhei pelas vidraças para a rua lá fora. Era uma rua lateral, meio da manhã, e portanto não havia muito tráfego. Depois, percebi o que estava realmente procurando: o meu carro. Eu o teria deixado estacionado junto ao parquímetro mais próximo da entrada da lanchonete. Mas não havia mais carro; eu o havia vendido no dia anterior. Loretta também parecia ter percebido meu olhar perdido e repôs a conversa no rumo anterior.

- Carlos, você não deveria ter vendido o carro sem me avisar.

- Por que lhe avisar? O carro era meu - retruquei, num tom mais ríspido do que o meu normal.

Loretta me olhou com uma expressão de reprovação, e percebi que havia falado besteira.

- Eu sei que o carro era seu - sussurrou ela. - Mas sem o carro, como vai se deslocar por aí, ir às audições? Procurar emprego, enfim. Aqui é Los Angeles! Tudo é longe, a cidade é grande!

Então era isso. E eu, idiota, imaginando que ela analisara a questão pelo lado do seu conforto pessoal.

- Eu ainda não lhe disse tudo. Chegou a hora... vou pegar aquele trem para Houston... por isso vendi o carro.

Ela me lançou um olhar de incredulidade.

- Você está desistindo, é isso o que quer me dizer?

Pus as mãos sobre a mesa. Abaixei a cabeça. Finalmente, me atrevi a encará-la de novo.

- Estou jogando a toalha. Não sou forte o bastante para Los Angeles... quanto tempo faz que estou nessa vida? Um ano? Andando pra cima e pra baixo atrás de audições, fazendo testes para papéis que jamais me darão... estou cansado, Loretta. Vou para casa.

- "Vou para casa"... - repetiu ela, com irritação.

Fomos interrompidos pela chegada da garçonete com os pedidos. Fizemos silêncio enquanto ela nos servia. Depois, agradeci e Loretta continuou a falar, enquanto eu comia.

- Você vai para casa porque não se julga forte o bastante para LA. OK. E nos seus planos, não havia um espaço, pequeno que fosse, para mim?

- Mas... foi justamente por isso que marquei esse encontro. Eu entendo que seria injusto pedir a você que me acompanhasse de volta à Houston. Pelo menos, enquanto eu não arranjar um trabalho que dê para nos sustentar...

E antes que ela fizesse alguma objeção:

- Claro, eu sei que você pode perfeitamente trabalhar como enfermeira... e provavelmente ganhar muito mais do que eu. Mas penso que primeiro devo ajeitar as coisas, e depois você vai me encontrar lá...

A resposta foi curta e direta:

- Não!

Tomou um gole de café, mastigou um pedaço do sanduíche, e só depois voltou a falar.

- Você desiste muito fácil daquilo que diz pretender realizar, Carlos. Se for para Houston, acredito que a nossa relação será a próxima coisa a ser colocada no seu rol de assuntos inacabados.

E apontando um dedo em minha direção:

- Eu não vou com você para Houston!

Foi um banho de água fria. Continuei a comer, em silêncio. Loretta tinha um ar de determinação no rosto e eu conhecia aquela expressão. Ela não mudaria de ideia.

- Eu quero que você fique aqui, comigo, e lute pelo que realmente quer!

Então era isso. Ela não estava abrindo mão de mim, muito pelo contrário.

- Los Angeles destrói sim, os sonhos de muita gente que vem em busca de fama e sucesso. Para a grande maioria, isso é bem verdade. Eu não sou do meio artístico, mas moro aqui e sei como as coisas funcionam, ainda mais para você que é hispânico. E não pense que são mais fáceis para mim, que sou negra!

Estendi a mão sobre a mesa e segurei a dela. Entrelaçamos os dedos.

- Carlos, você vai ficar e provar para LA que você é mais forte do que ela?

Que resposta poderia eu dar para uma mulher que acabara de derrotar LA? Balancei lentamente a cabeça.

- Los Angeles não é mais forte do que você, Loretta... disso eu sei.

Ela me olhou bem dentro dos olhos.

- É o meu amor por você que me dá essa força. Espero que um pouco dele consiga te dar ânimo para continuar na sua busca.

Olhei novamente para a rua lá fora, e desta vez, a cidade me pareceu menos hostil. Puxei uma nota de um dólar da carteira e deixei-a sob o meu prato.

- É para a Ruby... viva o sonho americano!

- Vamos fazer acontecer - respondeu Loretta, muito séria.

- [28-10-2017]