Magnétika- cap. 5

Magnétika- cap. 5

-Vou buscar mais um prato: é só botar um pouco de água no caldo.

Sente, moço...Espero que goste da comida, é simples; não repara na bagunça!- E sorriu.

Eu, timidamente me sentei e sorvi a melhor comida de minha vida; à mesa havia outras pessoas, talvez seus filhos, de diferentes idades. A mesa era simples, mas farta.

-Come mais um pouco...

-Obrigado, já estou satisfeito. Que comida saborosa!

-Sua mãe cozinha bem – A senhora perguntou.

-Minha mãe não...ah... a empregada...

-Ahh!

-Mas ela faz tudo de qualquer jeito; minha mãe briga com ela...às vezes como fora...

-Você estuda?- o senhor reparou no blusão do colégio.

-Sim , terceiro do Ensino Médio...

-Vou lhe dar um livro especial- levantou-se e tirou da prateleira empoeirada um velho livro:

“Cien pemas de amor e ua cancion desesperada”- Achei interessante o título.

-Neruda- respondeu- vejo que estava apático e pensativo. Talvez a poesia lhe inflame a alma por dentro. A vida... a ser vivida cada minuto, cada segundo, com êxtase, senão isso não é vida. Devemos querer nos queimar ao sol; irradiar o coração...

Espantei-me com aquelas palavras de alguém que julgava simples e sem instrução. As pessoas de minha convivência eram tão formais, engravatadas e pedantes. Como aquele homem simples poderia saber falar assim? Ele leu meus pensamentos:

-Achava que eu não sabia falar nem escrever? Pois pensou mal; esse é um mundo de aparências, mas aparências falsas. Vem comigo...

-Leva um embrulhinho pra sua família, sua mãe...

-Obrigado !

Segui-o pelas ruas do bairro; no caminho era cumprimentado por muitos; com alguns fez graça; chegamos a uma lojinha sem placa; estava atulhada de livros antigos. Entrei; era meio escuro e bolorento.

-Velho alfarrabista; ia perguntar o que faço, não? Sabe o que é um alfarrábio? Não aprendeu na escola? O que ensinam lá?

Ante minhas negativas, explicou-me que era um comerciante de livros antigos e usados, daí a cultura, apesar da simplicidade nos trajes. Ali se reuniam colegas de bate-papo ou no bar próximo, embora não tomasse nada- tinha lido sobre os males da bebida e sobre macrobiótica e tantas coisas.

Falou-me sobre sobre sua vida por horas e eu, ouvindo; ele queria alguém para conversar e eu, alguém para me dar atenção. Era curioso e imaginativo; tinha até inventado um aparelho para captar e purificar a água da chuva, o qual me mostrou.

-Já está tarde...tenho que ir.

-Volte sempre; quando terminar esse, te darei outro livro...

-Não, vou devolvê-lo após ler...Você não os vende?

-Vendo, mas tenho outros iguais, mas me agrada presentear. Quem acumula é banqueiro, não livreiro; os livros só têm sentido quando as pessoas os leem. Vi que gostou dele; fico feliz com isso.

-Muito obrigado! Mas nem me conhece?

-Mas não te conheci agora? É fácil gostar de amigos;. E de quem não se conhece? E como se conhecer se não nos conhecermos? Eu, cidadão do mundo; você também. Já basta.

Fiquei impressionado; nunca imaginava aquilo com aquelas pessoas que, para mim, não eram nada, mas agora eram muito; cresciam muito em meu conceito. Minha alma estava leve e, assim cheguei ao meu edifício. Aí as coisas mudaram.