O ÔNIBUS DA ZONA SUL

Sete da manhã e um calor insuportável. Rostos inchados e sonolentos, talvez por causa de uma noite mal dormida, sacolejam no ônibus da zona sul. As ruas esburacadas, caminhos sinuosos e freios bruscos eram a rotina dos passageiros. Cada um tinha um olhar distante, triste, um pensamento sobre a sofrida vida, ou sobre os problemas familiares. Os cochilos eram uma constância. Uma senhora gorda boceja e emite um som parecido com a de um leão. O "rugido" vem acompanhado por um hálito parecido também com o de um felino. Mas o bocejo não desperta os passageiros de suas inércias. Um gaiato querendo "animar os passageiros" ainda diz: - Aqui é igual a coração de mãe, sempre cabe mais um. Por um instante alguns levantam a cabeça, coçam os olhos, mas voltam aos seus relaxantes cochilos. Uma mocinha sobe na parada do cemitério. Ela, pálida, magra e com cabelos desgrenhados, despertam nos passageiros as mais horripilantes histórias de terror. Um gago comenta: - Ser, rá, que, que é uma alma penada?. Porém a beata sentada ao seu lado afirma que a mocinha é um "anjo do Senhor". A jovem, toda de branco, procura um lugar estreito ao lado do trocador. Um soldado de polícia lança um olhar "investigativo", e conclui: - Gente, é apenas uma enfermeira. A beata confessa ao trocador que "sabia desde o princípio". De repente, o ônibus freia bruscamente. Todos gritam desesperados. Uma freira diz: - Valha-me nossa senhora, o mundo vai acabar!. Ela apertou tanto o terço que desfez as contas. Um anão ainda "resgatou" algumas bolinhas e entregou a religiosa. Na confusão um soldado do Exército perdeu o seu quepe. De súbito uma lavadeira lançou sobre o motorista as roupas sujas das madames da zona norte. O condutor acalmou os passageiros dizendo: - Calma pessoal, brequei para não bater em um velhinho. Todos soltaram um sonoro "Ah!". O ônibus já rodava há 40 minutos e ainda estava muito longe do seu destino final. Na parada do Florêncio (um famoso líder comunitário do subúrbio) subiu um camelô. O homem moreno vestido com roupas pretas, colares grossos e um chapéu de vaqueiro chamou a atenção de todos. Ele trazia uma bolsa cheia de óculos, carteiras, brinquedos falsificados e uma bengala para alguma "emergência". Uma senhora japonesa gostou do óculos. O camelô anunciava: - É dez real!. Dois passageiros protestaram contra o "valor abusivo". Uma comerciária aconselhou a oriental a procurar o Procon. Mas o ambulante não deu ouvidos e continuou a publicidade. Mais uma parada brusca incomodou aos que estavam no meio do veículo. O ônibus parou embaixo do viaduto Rosa e Lima (famoso fazendeiro do passado). A escuridão do tunel causou medo entre os passageiros. Um jovem, com fones nos ouvidos, usou a lanterna do celular para iluminar o interior do veículo (o motorista esqueceu de ligar as luzes). A escuridão causou indignação em um cego, que depois descobriram não ser deficiente visual. Um operário da construção civil disse: - Oxe, o oimbu parou, foi?. De repente uma explosão causou uma correria muito grande. O ônibus ficou praticamente vazio. No fundo do veículo um bêbado balbuciou: - Eu sempre quis ter um carro só pra mim, e agora esse é todo meu, e voltou a dormir. O motorista anunciou que se tratava apenas de uma colisão entre dois carros. Ali não ocorreu um arrastão como foi dito pelo fofoqueiro Kadu. O condutor ainda explicou que o clarão foi provocado por um artista de rua. O trânsito voltou ao normal, mas o ônibus tinha agora apenas alguns passageiros: A senhora gorda (que ficou presa entre os assentos); a enfermeira (escondida por trás do assento do trocador); o camelô (que se escondeu atrás da bolsa com os mafuás); a japonesa (que apertou mais ainda os seus pequenos olhos e ficou estática na cadeira); e o bêbado "dono do veículo coletivo". Nenhum deles admitia perder o dinheiro da passagem por causa de um incidente tão "besta".

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 21/10/2017
Reeditado em 21/10/2017
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