Sobre espera e horas frias
Os olhos semicerrados não estão sonolentos.
Mas estão exaustos; são quatro e quinze da madrugada e sem o sono pra lhe embalar ela apenas fecha-os e finge dormir.
Então os abre.
O quarto está mergulhado em parte por escuridão e em parte uma luz mortiça vinda dos postes da rua. Sombras dançam nas paredes retorcendo-se em formas fantasmagóricas.
Os olhos vão do relógio à cabeceira da cama para o teto e deste à parede para voltarem-se ao relógio num movimento contínuo, incessante, quase hipnótico.
Há tantos sonhos bailando em sua mente, tanta gente viva e moribunda lhe visitando a memória, tantos dias difíceis de esquecer agarrando-se a ela e tantos deles já esquecidos voltando tão vívidos como se tivessem sido sugados por um vórtice de pensamento e trazidos ali, limpos, servidos numa bandeja de prata.
Mas de tudo que ali habita o pior ainda parece estar por vir; o amanhã (na verdade o amanhecer) e um teste de aptidão à espera dela, cedo; o maldito teste que demarcará a sua entrada ou não no corpo policial.
Respira; os braços e pernas ainda estão doloridos devido aos exercícios físicos dos últimos dias: Duas horas na academia, caminhadas ao amanhecer e corridas diárias na Avenida ACM com tempo cronometrado eram sua garantia de uma aprovação, mas ainda assim a ansiedade lhe corrói as entranhas e ela, por mais certa que esteja da admissão, teme pelo pior, mas talvez seja só um sentimento comum de após tantas batalhas estarmos perto do fim. Um falso sentimento de derrota, negativo e frio como as primeiras horas da madrugada e que vai murchar e evaporar aos primeiros raios do sol quando o corpo se levantar da cama, esperançoso, com a luz matinal ainda morna e aconchegante lhe convidando a vir para fora, a vencer.
Do teto, os olhos voltam-se ao relógio, passa um pouco das quatro e trinta agora, lá fora a escuridão ainda reina.