O bar de Zila
No bar de dona Zila (puta véia! Dizem carinhosamente os vizinhos) mulher negra, beirando os setenta anos, mas com vigor trabalhando à beira da rodovia o dia começa às seis da manhã e encerra a hora que bem entendem seus fregueses... Em alguns dias estende-se pela madrugada com dois velhotes bebericando cerveja no balcão e em outros dias encerra ao cair da noite sem arrecadar um único centavo.
Diz-se ainda, que o bar abriu antes mesmo de Morrinho do Norte se tornar cidade, quando já beirava esse momento, na verdade...
Nos dias de festejo no terreiro de Pai Louro, ali perto, o bar de Zila fecha as portas logo cedo e ela vira a noite no samba. Se precisar ela expulsa quem quer que esteja lá dentro.
Conta seu Cornélio, vizinho há tempos e o próprio pai Louro que os primeiros prefeitos fizeram às portas dela suas campanhas; em dias de festejo ela lhes mandou embora e baixou as portas sem pestanejar. Em outros momentos acolheu uma família de desabrigados que perdera a casa num mês de tanta chuva que o rio do toco transbordou, pai, mãe e filhos dormiam ali mesmo no salão do bar e nesse mês não se abriu a porta para freguês algum, não se vendeu uma gota de cravinho, uma mísera garrafa de cerveja quente. Em compensação o bairro inteiro se ajuntou para ajudá-los e também a ela.
Mas o bar de Zila é antes de tudo ambiente de respeito: não se entra sem camisa, não se fala palavrão, nada de bêbado alterado vagando e berrando, nada de balcão manchado de cerveja ou moscas enxameando as mesas, nada de putas sentadas às mesas ou gemendo nos fundos (puta ali só ela, no nome, apelido afetuoso do povo que a conhece), o banheiro está sempre limpo, não há poeira sob as garrafas de cachaça ou as pirogravuras na parede, o chão exala um leve odor de desinfetante, o aparelho de som não extrapola os limites...
Sozinha, nunca se casou, vive em Morrinho do Norte desde a época de distrito e sobre sua família pouco se sabe; somente que o pai lutou na Grande Guerra e voltou aleijado e demente. Sua mãe faleceu antes sequer dela chegar aos dez anos e sobre outros parentes... deve ter irmãos ou irmãs soltos como folhas ao vento ou mortos como folhas apodrecidas no chão. Não se sabe.
Nos fundos do barzinho numa casinha acanhada e mal acabada ela envelhece sem perder o brilho no olhar que a acompanha desde muito tempo. Sua preocupação maior é com o negócio e com os festejos vindouros no terreiro de Pai Louro, que com a benção de Oxóssi nunca demoram a chegar.