Visita a casa velha
Seguimos pela estrada.
Os vidros abertos deixavam entrar o vento e a poeira; estrada de cascalho no verão, que esperávamos? Um fusca com uma pintura branco-amarelada envelhecida pelo tempo, um escapamento berrador e esmagando as pedrinhas do caminho com quatro rodas seminovas, divididas em dez vezes no cartão, portas que rangiam e por deus onde estavam os vidros? Aliás, onde estavam nossas cabeças ao sacar nossa poupança tão bem guardada em troca daquilo? Eu bem sabia. Ana também sabia e até Tomas, nosso gato rabugento e mal humorado devia farejar no ar a resposta.
- está perto? – ela perguntou. A mão delicada pousada em meu ombro, seus olhos esverdeados lembravam a superfície calma de um lago pela manhã.
- Não deve estar longe, disse, havia uma fileira de casas pequenas próximas, isso eu lembro, assim que as avistarmos... Baixei a voz e um ultimo fragmento de pensamento foi engolido pelo esganiçar da descarga que enchia aquelas terras calma com seu grito interrupto. Seguimos.
Casas pequenas escondidas por trás de plantações de milho. Casarões com uma bandeira branca tremulando no alto (Ana sorria para elas). Cajueiros, mangueiras, arbustos espinhentos e um mar de milho que nos acompanhava por quilômetros, mas não via as tão esperadas casinhas. Uma curva, duas, três e um quarta bem fechada à beira de um tanque; nesse momento precisei reduzir a marcha e o câmbio quase prendeu (onde estávamos com a cabeça?).
Ainda a caminho um senhor de rosto queimado e camisa aberta no peito nos informou que havíamos pegado a estrada errada (é voltanu, sabe o cajueiro que separa as duas istrada? Pois, entra na direita!), um senhora gorda que na cabeça levava uma bacia onde vendia beiju confirmou (isso, pur ai mesmo! Tu é dos Souza? Tá se vendo que é).
Minha infância, escondida naqueles roçados estava atrás de uma ladeira muito íngreme que o fusca não subiria, não naquele estado. O deixamos á beira do caminho e fomos a pé, Ana levava Tomas consigo. Acordado, seus olhos giravam de um lado a outro. Lá embaixo havia um agrupamento de casinhas, as cores já desbotadas e o mato crescido ao redor tomara para si aquele lugar.
Mais distante, um monte de pedregulhos, madeira e telhas demarcavam o casarão que fora dos meus avós. Mandacarus grandes como postes mantinham-se como sentinelas ao redor do antigo casarão. As paredes e o teto desmoronaram vê? Nada resiste, pareciam dizer, em tom de lamento, guardamos aqui suas poucas lembranças, impedindo-as de fugir, de se levantar de debaixo dos escombros e correr loucas por ai, soltas num mundo e num tempo que não mais lhes pertence. Em meio ao riso as lágrimas vieram. Recheadas de lembranças de uma época de alegrias, de choro, de medo, de alívio, de brincadeiras e discussões (as mais bobas), de noites escuras à luz do candeeiro e das conversas sobre os avós dos nossos avós antes de dormir, de manhãs com o sol beijando nosso rosto pelas janelas abertas e o canto dos pássaros, do latido dos cães, do mugir das vacas, das galinhas ciscando no terreiro, dos porcos gemendo no cercado, do cheiro do café preparado no fogão de lenha, dos micos saltando pelas estacas da cerca, do medo de andar á beira do tanque onde vivia um jacaré...
Um pedaço de história, sepultado e um tanto esquecido voltava a vida naquele instante. Aquele instante... Como eu quis segurá-lo, mantê-lo entre os meus dedos e esticá-lo com firmeza para que se prolongasse por todo o resto de vida que ainda tinha à frente. E como lamentei não podê-lo.
Não me lembro de termos conversado, talvez uma ou duas palavras, enquanto ela me enxugava as lágrimas. No mais apenas nos sentamos no chão, minha mão contornava sua cintura e acariciava sua barriga macia abaixo do seio, Tomas, ao nosso lado cutucava alguns arbustos secos enquanto o sol se punha e as primeiras sombras enchiam a terra.