Simples Desejo
Trechos do romance de Yel e Sil
O SIMPLES DESEJO
Todo que ele queria se fez... Acordar com o barulho da chuva sobre a janela ao lado dela. Olha-la sorrir como quem dizesse sou grata, ouvindo ao fundo o canto dos pássaros e, apesar da chuva, perceber a insistência desses seres que passam a vida a cantar harmonizarem o dia, e então, sorrir também. Levantar da cama e abrir os braços se espreguiçando, mas mais do que afugentar a preguiça num dia chuvoso, encher o peito de oxigênio para que a força vital que nos faz persistir em ser feliz se renove. Então, caminhar até a cozinha pegar uma caneca para tomar café e ir até a janela da lavandeira para observar o dia. Com a calma de um monge tibetano posta pelos anos de meditação observou o peso da chuva sobre os galhos das árvores que se dobravam dando a impressão que romperiam senão estivessem com um verde radiante de felicidade pelo renovo das gotas de água. Pensou "é incrível este espetáculo onde a natureza dança ao desdém do ser-humano". Há uma semana os galhos dessa mesma árvore estavam secos e quebradiços com o vento. "A água para a árvore tem o sabor de um beijo", pensou Yel. De repente, sem mais nem menos, sentiu os braços de Sil envolve-lo num abraço dando um laço em sua cintura e de tão apertado pensou no peso da chuva sobre os galhos da árvore, sentiu-se como ela, radiante. Logo em seguida veio-lhe uma falta de ar provocada por um beijo no pescoço, mas antes que pudesse se recompor suas pernas tremeram como se um vendaval quisesse arrancar suas raízes do chão quando Sil disse "bom dia" em seu ouvido. Imaginou o quanto a árvore seria capaz de resistir a um vendaval, então firmou os pés e com a mão que estava livre, feito contorcionista, levou-a para baixo dos cabelos de Sil e fez-lhe um carinho na nuca e respondeu:
- Aquele dia pra nóis, neguinha!
Sorriu o sorriso dos guerreiros das periferias que leem os presságios do dia. "Apesar dos pesares, hoje será um lindo dia!", pensou convicto Yel.