Brasília amarela
Uma das paixões de seu Abdias era sua Brasília, também amarela. Esse carro era o seu xodó... Dizem que Dona Toinha, sua outra paixão há 50 anos, tinha ciúmes dela, tal o cuidado e carinho que o velho Abdias lhe dedicava toda manhãzinha.
Um dia o carro de sua filha Ida, pifou e foi para o mecânico. A previsão para repará-lo era de uma semana. Como seu Abdias tinha um carro e não o usava, por causa da idade avançada (quase 85anos), nada mais normal que a filha pegasse emprestado , por uma semana, para ir para o trabalho.
O pai concordou, mas fez mil recomendações.
-Cuidado com ele. Ande devagar. Olhe os buracos. Não vá sujá-lo. Nem arranhá-lo...
Ida concordou com tudo. Tá pai. Pode deixar, pai... E prometeu devolvê-lo, são e salvo,em uma semana. Semana que passou sem o término do reparo. Seu Abdias logo se fez presente ao telefone:
-Então, minha filha, o teu carro ficou pronto?
-Ainda não, pai! Foi a resposta medida e meio sem jeito de Ida, e um tanto desapontada por não ter cumprido a sua palavra. Mas o pai insiste:
- Minha filha, o que é que está faltando? É dinheiro? Se for, me diga logo que eu te dou. Eu quero o meu carro logo... Aqui em casa! Está demorando muito!
Ida lhe explicou que houve outros problemas, com o carro dela, mas que, em dois ou três dias, o carro estaria pronto...E contra-atacou:
-Pai, porque essa pressa toda? O senhor nem dirige mais, está esquecido?
Seu Abdias, encerrando o assunto de modo autoritário mas brincalhão:
-O carro é meu e eu quero todo dia olhar para ele. E pronto. E tem mais: e quando eu morrer, você leve ele de vez em quando ao cemitério. Eu quero vê-lo!