A MOÇA NA CHUVA:
A moça passou correndo pela rua, a chuva caia em seus ombros e molhava seus cabelos. Ela não se importava em molhar-se, aparentemente, sem guarda-chuva, sem alguma proteção. Seu cabelo ensopava e as roupas grudavam no corpo a ponto de evidenciar a barriguinha saltitante. De alguma forma estranha a moça calçava galochas. "Pois então porque não sair com um guarda-chuva? De que valem as galochas?" Pensei em meu íntimo, fumando um ínfimo cigarro na janela. Ela poderia também pensar "Pois então, porque fumar na chuva?"
A moça parecia não ter vergonha de molhar-se, de passar a mão no rosto e nos olhos para enxergar com nitidez e nem de correr com os seios e barriga balançando no movimento. Eu poderia até cogitar que vi um vulto de sorriso em sua boca, porém a miopia deixou-me na incerteza.
Ela poderia estar feliz com a chuva, afinal após um mês de secura, veio a calhar a tromba d'água.
Como ela poderia estar feliz, tomando um banho surpresa de chuva? Seria ela de bem com a vida ou apenas sorrindo de nervosismo, desesperada para chegar em casa com medo de uma gripe?
Eu gostaria de descer correndo as escadas da minha casa e descalça abrir o portão, sair em disparada pela rua e sentir os pingos de chuva grossa no meu corpo empijamado. Eu a alcançaria e perguntaria-lhe
- Você não tem medo da chuva? Dos raios? Dos trovões?
Ela pararia, me olharia inquisidora, estranhamente estranhando a abordagem. Mas a moça riria, eu veria as gotículas de chuva em seus olhos como lágrimas e sua boca avermelhada abrindo e fechando formulando uma resposta demorada.
- Você não tem? - Ela responderia, limpando os olhos.
Olhei para mais além da esquina da rua e vi a moça parada, ela olhava diretamente para a minha janela, forcei a vista e ela também. Parecia me reconhecer de algum lugar distante. Levantei a mão que segurava o cigarro, as cinzas voaram na chuva. A moça não ergueu a mão, virou as costas e voltou a correr.
Eu deveria sair da janela.