Multidão no Escritório
Não sei como é possível! Algumas pessoas são tão eficientes, e outras simplesmente não. (Os robôs é que me encantam, meu sonho de infância era ter uma Rose Jetson pra mim.) E esta maldita auditoria do Ministério Público cheia de Ordens de Ajustamento de Conduta! Agora tenho que dar atenção a tudo. Eles acharam mil ineficiências que tenho que corrigir. Todos os fluxos de processos precisam ser revistos. Preciso fazer esta empresa funcionar. Como é que esses malditos analistas de auditoria fazem? Como é que acham tantos furos?
O serviço está normal: as baias dos trabalhadores do escritório ali embaixo, meu rebanho, minha tropa. Sendo líder, tenho a missão de conduzi-los. E eles têm que trabalhar direito. São tantos subordinados: administradores de terno e gravata, advogados de relógio suíço, contadores de camisa social, programadores de tênis sujos, testadores de gel no cabelo, compradores de olhos aguçados, vendedores de sorrisos falsos, atendentes de minissaia… Homens, mulheres; velhos, jovens; baixos, altos; rápidos, lentos; calados, falantes... todos insuportáveis. Eles não me entendem. Odeio pessoas. Odeio estar perto dessas pessoas. É só para isto que eu os contrato: para eles fazerem o serviço. E bem feito. Esta empresa só precisa me dar lucro. Mas só eu me esforço, só eu me dedico. E os folgados se aproveitam. Agora estão com os olhos fixados nos computadores, parecem concentrados no trabalho. Não se ouve conversa nenhuma, só cliques dos mouses e o vaivém de mil teclas plásticas. Mas eu aposto que todo mundo está é com vontade de ir embora. O sol já está se pondo.
Não sei aquela, a Constantina. Quando iniciou, disseram que era um exemplo de eficiência. Tem cara, mesmo. Testa alta, olhos expressivos, rabo de cavalo. Nada particular na mesa. Diferente de todos os outros, que já abarrotaram suas baias com papéis, fotos, objetos… Com este aplicativo posso rastrear o que ela tem na tela agora. Sou chefe, tenho o direito. O que é que ela tem? O que é que ela faz? Basta eu observar suas ações no computador. Ela olha uma planilha imensa, cheia de valores, datas, códigos, produtos, CPFs e CNPJs. Ela rola a tela, olha vários registros, filtra os que têm a data de hoje, rola a tela outra vez. Surge uma notificação do Skype: alguém conectou. Muda a janela para o Skype. Procura os recém-conectados. Foi o representante da empresa terceirizada. Mas agora desconectou. Volta à planilha. Nova notificação, agora dos chamados de help-desk. Muda a janela para o help-desk. Algum colega fechou um chamado solucionado. Retorna à planilha. Filtra pela data de ontem, rola a tela, muitos registros. Aparece nova notificação, agora de e-mail. Muda a janela para o programa de e-mail. Parece apenas uma propaganda. Marca como spam. Volta à planilha. Vem mais uma notificação. Agora é o programa de testes. Muda a janela para o programa de testes. É a mensagem de que o teste de cem mil itens terminou. Encaminha os resultados para mim. Parece satisfeita. Queria que todos fossem assim...
De repente, queda de energia. Alguém faz a piada do yes-break. Começam a falar entre si. Constantina permanece em silêncio na sua baia. Apenas abaixa a cabeça. Os outros se levantam, se espreguiçam, vão ao banheiro, vão ao café. Sem ar frio, tiram casacos, soltam gravatas. Reclamam, falam dos prazos, dos backups feitos e não-feitos, conversam, dizem bobagens. Alguém diz que trouxe bolo e quer repartir. Eles me chamam para confraternizar. O-d-e-i-o isso. Odeio ter que conversar com eles. Boa mesmo é a Rose, digo, Constantina. Eficiência sem conversa. Queria saber: como é que pode!?!