E a Via-crúcis continua
Maria senta no cepo velho e observa a barra do dia raiando por cima do Monte Belo. O eito, hoje, é um abandono só, as mãos calejadas estão longes dos cabos das foices e das enxadas. A mulher chama o filho, adormecido sob o bitu de algodão. Sacode a criança, grita:
- Se avie, menino, o sol já vai alto, povo tá tudo subindo o morro para rezar Via-Sacra.
Ele esfrega os olhos, tenta afastar a moleza, não gosta daquela caminhada morro acima, quer descansar, já sofre demais durante a lida, mas a mãe faz penitência, desconta os pecados na semana santa. Em pé, junto à parede de pau a pique, o menino lava o rosto na água barrenta que enche a velha bacia esmaltada, pensa nas estações da Via-sacra, sempre imagina que Jesus é criança do sertão e seu caminho é assim:
Algumas vezes, já nasce condenado à morte - a cruz, desde cedo imposta, é pesada demais, mas aceita mesmo assim, às vezes cai uma, duas, três vezes...mainha, desesperada, chora e acode o sofrimento. A labuta é dolorida, mas sertanejo é cabra bom, ajuda o amigo a carregar o pote d’água, o saco de palmas, o mourão da cerca. Cansado, chora, já não mais suporta, mas uma alma boa surge e acarinha o rosto sofrido, ameniza a dor da labuta.
O suplício é longo, abandona a escola para trabalhar na pedreira, é espancado pelo pai alcoolizado, sofre humilhantes abusos, é ignorado na invisibilidade da sua dor, dorme com fome, padece com sede, porém é forte, pede que a mãe não chore, mesmo na falta de vestes novas, quando leva trapos sobre o corpo e a alma já vai desnuda.
Sucumbe ao abandono, aos maus tratos, à indiferença - não aguenta mais, cai no roçado, é lavado com a água suja do poço, colocado sob a terra seca sertão; mandacuru de um lado, juazeiro de outro, melão de São Caetano caindo da cerca, cobrindo a cruz, fininha, com suas bolinhas encarnadas - esperança acaba e até o céu chora sua partida, fiozinho de lágrimas molha seu cantinho, pomba branca voa naquelas paragens e algo, milagrosamente, renasce...
O garoto desperta do seu delírio e segue para o morro, não quer aperrear mainha, vai acompanhar a Via-crúcis de um menino que também sofreu, noutras terras, em busca de esperança.
- Se avie, menino, o sol já vai alto, povo tá tudo subindo o morro para rezar Via-Sacra.
Ele esfrega os olhos, tenta afastar a moleza, não gosta daquela caminhada morro acima, quer descansar, já sofre demais durante a lida, mas a mãe faz penitência, desconta os pecados na semana santa. Em pé, junto à parede de pau a pique, o menino lava o rosto na água barrenta que enche a velha bacia esmaltada, pensa nas estações da Via-sacra, sempre imagina que Jesus é criança do sertão e seu caminho é assim:
Algumas vezes, já nasce condenado à morte - a cruz, desde cedo imposta, é pesada demais, mas aceita mesmo assim, às vezes cai uma, duas, três vezes...mainha, desesperada, chora e acode o sofrimento. A labuta é dolorida, mas sertanejo é cabra bom, ajuda o amigo a carregar o pote d’água, o saco de palmas, o mourão da cerca. Cansado, chora, já não mais suporta, mas uma alma boa surge e acarinha o rosto sofrido, ameniza a dor da labuta.
O suplício é longo, abandona a escola para trabalhar na pedreira, é espancado pelo pai alcoolizado, sofre humilhantes abusos, é ignorado na invisibilidade da sua dor, dorme com fome, padece com sede, porém é forte, pede que a mãe não chore, mesmo na falta de vestes novas, quando leva trapos sobre o corpo e a alma já vai desnuda.
Sucumbe ao abandono, aos maus tratos, à indiferença - não aguenta mais, cai no roçado, é lavado com a água suja do poço, colocado sob a terra seca sertão; mandacuru de um lado, juazeiro de outro, melão de São Caetano caindo da cerca, cobrindo a cruz, fininha, com suas bolinhas encarnadas - esperança acaba e até o céu chora sua partida, fiozinho de lágrimas molha seu cantinho, pomba branca voa naquelas paragens e algo, milagrosamente, renasce...
O garoto desperta do seu delírio e segue para o morro, não quer aperrear mainha, vai acompanhar a Via-crúcis de um menino que também sofreu, noutras terras, em busca de esperança.