E faça cara alegre

Dona Frederica imaginou que o marido, o comerciante Manoel Torres de Campos, houvesse enlouquecido, pois, após chegar das bandas do porto numa sege de aluguel - e não de cadeirinha, como normalmente se deslocava pela cidade - chamou os escravos da casa e lhes deu ordens que os deixaram, tanto quanto à ela, boquiabertos.

- Vossemecê quer derrubar o caramanchão? - Repetiu o preto Olímpio, como que para certificar-se do que acabara de ouvir.

- Eu estou lhe ordenando que derrube o caramanchão!

- O meu caramanchão! - Gritou dona Frederica, mãos no rosto.

- Ponha abaixo e queime! - Retrucou impassível Torres de Campos.

E para o escravo Samuel:

- Você vai pegar uma marreta e abrir buracos no muro da frente! Depois, faça buracos na fachada da casa!

E para o mulato Jeremias:

- Quero que suje de barro a frente da casa... e despeje lixo na entrada!

- Lixo! - Exclamou dona Frederica.

- Queime o lixo também! - Acrescentou Torres de Campos.

E finalmente, dignando-se a dar atenção à mulher:

- Sabe a história do "P.R.", Frederica? Pois é verdade! Eu mesmo vi acontecer, com estes olhos que a terra há de comer!

- Estão escrevendo "P.R." nas casas? - Indagou ela, lívida.

- Os soldados vêm, pintam "P.R." na fachada e mandam que os moradores saiam, deixando tudo dentro... os escravos inclusive!

- Mas... mas isso é uma desfaçatez!

E virando-se para Olímpio, colérica:

- O que está a fazer aqui que ainda não foi derrubar aquele caramanchão?

- [26-09-2017]