Conto das terças-feiras - O cabo Josivandro
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, (CE), 26 de setembro de 2017
Josivandro, desde pequeno sempre teve vontade de ingressar nos quadros da Polícia Estadual. Sabia que era difícil, pois não tinha estudos. Resolveu, com a aquiescência da família, morar com uma tia na capital. Ela não tinha filhos e o recebeu carinhosamente. Oitavo filho de pais agricultores, vivendo de uma agricultura composta por milho e feijão que só compensava quando chovia, coisa rara no sertão brabo do Nordeste, o garoto Josivandro acreditava que aquele não seria o seu destino.
— Em companhia da tia Joventina eu terei chance de ir mais além, avançar nos estudos, falava o garoto para aqueles que reprovavam sua decisão de mudança.
Passados meses e anos, já rapaz e com a ajuda da tia que era professora primária, conseguiu tirar o primeiro grau. Entrou para a polícia militar como soldado e foi designado, já cabo, para servir em uma cidade do interior, próxima à cidade em que ele nascera.
Na pequena cidade era autoridade. Acima dele só o padre que pouco aparecia por lá e o velho sargento reformado, depois de quarenta anos de missão cumprida, como gostava de salientar o velho militar. Josivandro gostava de conversar com o sargento e pedir conselhos.
Muitas coisas estranhas aconteciam naquelas bandas do sertão que Deus se esqueceu de olhar. O cabo era sempre chamado para resolver os casos difíceis, principalmente entre marido e mulher. Tinha também as brigas entre os endiabrados meninos. As mulheres brigavam com seus homens por causa da cachaça constante e traições. Os homens, só por causa das traições. Em lugar pequeno, os dois únicos divertimentos eram beber a “mardita” até cair e trair. Muitos filhos dos habitantes locais eram irmãos, mas nem os pais sabiam disso. Era aí onde entravam as brigas entre os moleques. A aparência física entre alguns ensejava gracejos diversos.
Certa vez, o Cabo Josivandro foi chamado às pressas para apartar uma feia briga na praça da matriz. Confiante na sua missão de manter a ordem pública, ele apressou-se em cumpri-la. Chegando lá, percebeu que dez garotos brigavam, só não dava para saber “quem contra quem”. Era um bolo só: pontapés para lá, pontapés para cá, murro voando para todos os lados. A poeira subia e a gritaria da galera assistente, idem. A praça começou a encher, mães, pais e irmãos procurando distinguir o seu familiar presente naquela confusão. As mães gritavam pelo nome de seus filhos reconhecidos, os pais procurando saber o que estava acontecendo, o que levou os garotos a brigarem. Era a primeira vez que isso acontecia, isto é, naquela dimensão.
Depois de muito esforço, com palavras ríspidas e ameaça de prisão, o vigoroso cabo conseguiu separar os brigões. Separou-os em grupos de dois, segundo as semelhanças fisionômicas. Às vezes, ele ficava confuso, sem saber para que lado colocar um ou outro. Seu intento era separá-los por família e entregá-los aos respectivos pais. Só que os furiosos garotos não sabiam o porquê daquela divisão e nem contestavam sobre o lado para o qual estavam sendo colocados. Depois de apaziguado o combate, o cabo, agora herói, fez a sua preleção como autoridade local. Ele não quis saber como e por que aquilo tudo começou. Pediu para todos respirarem fundo, levantarem as mãos para o céu e prometerem que aquilo não mais aconteceria, caso contrário, todos iriam presos, mesmo que menores de idade.
Como o cabo conhecia todos os habitantes locais, chamou os pais daqueles que participaram da ruptura da ordem pública, passou-lhes baita compostura e foi colocando cada pai à frente do grupo que ele imaginava serem os seus filhos. Sem entender nada e calados, os pais foram tomando as posições ordenadas pelo cabo. Completado o arranjo, o militar finalizou sua missão dizendo que cada pai levasse seu filho para casa. Nessa hora, a ficha caiu para todos e outra briga teve início, agora entre os pais. Vendo-se ameaçado, o militar saiu correndo, deixou a cidade e pediu transferência. À falta de sensibilidade e por ter desertado do posto de comando, o cabo recebeu severa punição. Pais, mães e filhos reconciliaram-se e hoje formam uma grande família.