O MENINO E A GAIVOTA
Um dia, manhã cedo, o menino desceu à praia, deserta a essa hora e caminhou distraidamente pelo areal húmido até junto da falésia. Numa pequena elevação rochosa, à sombra, ouviu um piar consecutivo mas esforçado, tal como um aflito lamento. Acercou-se e viu uma gaivota caída, ensanguentada, com uma asa partida. Ele tentou entender a situação, cheio de pena perante o sofrimento do animal.
Entretanto outras pessoas foram chegando e ouviu comentar que a ave estava condenada pois não voando não poderia pescar o seu sustento e morreria à fome, para além de estar gravemente ferida. Decerto teria sido atacada por outras, que disputavam com ela o alimento, numa cruel luta pela sobrevivência.
Ficou angustiado perante o sofrimento do animal. As pessoas olhavam para a ave, com pena mas sem fazer nada.
Então, o menino correu até um pescador, que afastado consertava as redes com que ia à faina no dia-a-dia e com um balde de criança que entretanto apanhara na areia, pediu-lhe um pouco de água para dar à gaivota. Depois caminhou devagar para não a entornar e chegou-se junto da ave. Inclinando o pequeno balde, conseguiu que ela bebesse um pouco de líquido, essencial para a sua sobrevivência.
Percebendo que não adiantava mais estar ali junto dos outros basbaques, correu de novo até ao hotel e encontrando o pai numa espreguiçadeira à beira da piscina, contou-lhe o sucedido. Ele ouviu com atenção e disse-lhe que depois de almoço iriam os dois à praia, levando um pouco de comida, para conseguir que a gaivota se alimentasse.
De tarde, com restos do almoço metidos num saco de plástico, lá desceram eles até à praia. Junto da gaivota ferida estavam alguns banhistas, apiedados pelo animal ferido, observavam-na, soltando aflitivos gritos de agonia, cada vez mais cansada e fraca.
O pai abriu o saco e colocou vários pedaços de comida junto da gaivota mas ela já quase não se movia. Então entalou alguns bocados no bico e conseguiu que ela engolisse um pouco.
Algumas gaivotas pairaram sobre o grupo, aguardando vez para surripiar alguma comida. O pai enxotou-as com uma cana, mantendo-as à distância.
O menino ia pousando alguma carne e batatas junto ao bico da gaivota e mesmo correndo o risco de ser ferido, empurrou a comida para que o animal não fizesse demasiado esforço ao alimentar-se.
Deram-lhe mais um pouco de água e então o pai disse-lhe que não adiantavam mais ali pelo que deveriam aproveitar a tarde na piscina. No dia seguinte voltariam.
O menino pouco comeu ao jantar e dormiu mal nessa noite, sentindo uma grande angústia interior.
Manhã cedo acordou o pai e com alguma persistência conseguiu que ele se vestisse e o acompanhasse à praia. O espetáculo do raiar do sol era belo, iluminando aos poucos a praia e fazendo desaparecer a sombra da falésia.
Desceu o caminho rapidamente, à frente do progenitor e logo se dirigiu ao local onde a gaivota ferida jazia. Ficou surpreendido por não a encontrar ali.
À distância, o pescador que na véspera lhe facultara água, caminhou lentamente até eles e então disse-lhes que a gaivota morrera ao anoitecer. Ele e alguns colegas levaram-na para outro lado e enterraram-na para evitar a decomposição pelo calor. A comida restante tinha sido rapidamente deglutida por outras aves que por ali pairavam.
O pai, triste com a tristeza do menino, abraçou-o e perante o seu choro convulsivo, disse-lhe que Deus encontrara a melhor solução para o sofrimento da ave, assim não penaria mais.
Depois, lentamente e amparando-o, iniciaram a subida até ao hotel, acompanhados pelo olhar condoído do pescador.