Uma notícia qualquer

Dei uma olhadela na capa do jornal e já fiquei entediado. Mais do mesmo. Sangue, corrupção, alguma coisa inútil sobre alguém importante, uma foto de uma gostosa e mais nada. Mesmo assim me arrisquei a folheá-lo. Quando percebi estava lendo meu horóscopo que dizia; “não tome decisões em momentos de tensão, a lua em Vênus trará provações nesse momento. Tente manter a calma e pensar com clareza para conseguir superar as dificuldades.” Sinceramente eu não poderia viver sem essa informação!

Já estava para embuchar aquela merda, quando, por puro automatismo, voltei duas paginas. Corri os olhos e uma pequena nota, quase imperceptível no canto inferior da página me chamou a atenção; “Perdemos um cidadão ilustre de nossa cidade. Francisco Alves da Cruz Neto, nosso querido Chico da viola faleceu ontem vítima de um infarto fulminante.”

Porra velho! Como assim? O Chico não, bicho! Deve ser brincadeira.

Li de novo e engoli seco.

Tentei me lembrar qual tinha sido a última vez em que topei com meu amigo para um dedo de prosa. Não consegui. Pensei que fosse mais fácil então tentar lembrar quando foi a última vez que tomamos uma gelada no bar da praça tocando violão e cantando Raul Seixas. Não me lembrei também. Fazia tempo. Muito tempo. Algo tinha saído errado entre nós que éramos tão unidos nos tempos das antigas. Não era certo eu não me lembrar e mais errado ainda o fato de saber que havíamos nos distanciado com o tempo. E o pior era entender isso apenas depois de descobrir que não haverá um próximo encontro.

Chico era um poeta anônimo como tantos outros. Escreveu e musicou poesias de iluminar a alma, cantadas com aquela voz semi-rouca que tantas vezes me surpreendeu por alcançar agudos improváveis. Entre um copo e outro, uma música e outra, ele repetia uma frase que virou um mantra que eu amava tanto; “essa aqui só você conhece, nunca mostrei pra mais ninguém. Só você é doido pra falar que gosta dessas porcarias que eu escrevo.” E eu dizia: “Você é um bosta mesmo. O mundo precisa ouvir isso cara. O mundo precisa saber que você é muito mais que um pinguço que habita a praça com um violão fodido nas mãos!”

Ele só ria... A humildade espontânea de quem não percebe sua genialidade.

Foram lindas tardes em minha vida. E essa lembrança quase me faz sorrir. Mas leio de novo a notícia.

Percebo os olhos lacrimejando. Pelo amigo que se foi e pelo poeta que o mundo não conheceu. Mais ainda por mim, que não pude me lembrar quando foi a última vez que nos encontramos, revelando assim que algum furo aconteceu no enredo dessa amizade. Mas o pranto sai do controle quando, por fim, eu aceito que um grande homem for reduzido a uma mínima nota quase imperceptível no rodapé de um jornaleco de segunda.

Paulinho Souza
Enviado por Paulinho Souza em 17/09/2017
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