Conto das terças-feiras – Satisfazendo a vontade do inanimado
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 12 de setembro de 2017
Engenheiro Civil e dono de empreiteira construiu prédios e realizou obras diversas para os governos municipal, estadual e federal. Com propinas recebidas dessa atividade, seu capital mais que triplicou. Não tinha escrúpulos aceitava qualquer encomenda, desde que o dinheiro ilícito entrasse em sua contabilidade pessoal, depositado sempre em contas em paraísos fiscais pelo mundo.
No trabalho ele era o chefe supremo, respeitado por todos os funcionários. Tido como honesto e ético era exemplo no meio empresarial. Membro das principais instituições profissionais na área da construção civil e de algumas de caráter filantrópico. Frequentava a igreja de seu bairro e ajudava-a em momentos de necessidade, disponibilizando cifras razoáveis para a manutenção e ampliação do espaço religioso, era um filantropo.
Exagerado em suas extravagâncias perdia noites e noites em festas e encontros fortuitos. Com a saúde debilitada, o engenheiro procurou um médico amigo que o diagnosticou com diabetes mellitus tipo 2. Bastante preocupado foi procurar um especialista na área, ele tinha conhecimento, desde criança, que essa doença mutilou e vitimou o seu pai. Em rápida evolução os pés do engenheiro foram ficando deformados e, embora buscando tratamento correto, a destruição óssea e a atividade inflamatória intensa evoluíram à imputação de ambos os pés. Impossibilitado de andar, refugiou-se em uma cadeira de rodas. Assim ele visitava as obras, sempre levado por seu motorista, que o ajudava também no deslocamento com a cadeira. Depois de algum tempo a cama tornou-se o único espaço explorado pelo diabético. Deixou de trabalhar por completo.
Com depressão quase constante, as brigas com a esposa também evoluíram à cogitação de divórcio. Entravam em discussão quase todos os dias, a mulher ameaçando-o colocá-lo em casa de repouso e ele alegando que tudo o que ela possuía pertencia a ele. As ofensas eram constantes:
— Você é hoje o que é graças a mim, tirei você daquela pequena e fedida cidade do interior, para fazer de você uma dama, dizia enfurecido o engenheiro.
Ela retrucava:
— Eu sempre cuidei de você e escondi de todos as suas atrapalhadas. Nem mesmo os seus filhos tomaram conhecimento que você é corrupto, aético e aproveitador.
Nem mesmo com o agravamento da doença as brigas deram trégua. Os filhos, com a presença constante do pai e seu sempre mau humor, passaram a defender a mãe. Esse reforço deu a ela mais coragem para enfrentar aquele velho rabugento, confidenciava aos filhos.
Sem a ajuda da mulher e dos filhos o engenheiro exigiu a contratação de uma cuidadora. Muitas desfilaram no quarto onde foi alojado o doente, algumas desistiam no primeiro momento, outras eram dispensadas após reclamações e brigas, pelo engenheiro. Era difícil a convivência entre essas profissionais e o construtor. Às vezes era a patroa que não aguentava a contratada, despedindo-a simplesmente.
Certo dia o engenheiro chamou a mulher e pediu que ela buscasse uma pessoa no interior, uma moça com até vinte e cinco anos, ele não queria outras velhas cuidando dele. É claro que essa opção não foi aceita, outra briga teve início. O doente prometeu a mulher que iria cancelar o nome dela da conta bancária e dos cartões de crédito. Ela não mais teria dinheiro ao seu bel prazer, ele repassaria cheques para as necessidades da casa e pagamentos em geral. O acordo saiu!
A garota do interior chegou, dezenove anos, alta, carne firme e sorriso brejeiro. Parecia com Iracema, a do romance de José de Alencar. Apresentados, ele puxou conversa, perguntou quase tudo da vida dela, principalmente se era virgem. Constrangida ela só balançava a cabeça, ora concordando ora discordando. Sobre ser virgem ela ficou estática, não respondeu.
Depois de três meses de melhora ascendente, que surpreendeu até o médico que o atendia, uma recaída espantosa levou o engenheiro a óbito. Os preparativos do velório e enterro foram concluídos e realizados. Três meses depois a jovem do interior compareceu à casa do finado engenheiro, de barriga avantajada e disposta a reivindicar uma parte da herança para o seu filho. Já trazia o teste de reconhecimento de paternidade realizado mediante comprovação com amostra de cabelo do falecido. Na família, espanto geral.