A FILA

As cabeças baixas evidenciavam o estado de espírito daquelas pessoas. Naquela esquina da rua do comércio predominava o silêncio. Todos se acomodavam de alguma maneira. A rua deserta não despertava naquela turba nenhum sentimento. O frio impedia qualquer diálogo entre aqueles homens e mulheres. As damas, em minoria, balbuciaram algumas palavras como "tá chovendo", "bom dia", ou "será que vai abrir logo, hein?". Mas ninguém deu atenção. A fila aumentava a cada minuto junto com os respingos de chuva. A temperatura apontava em torno dos 15 graus de um inverno rigoroso. De vez em quando o silêncio era "quebrado" por uma buzina de carro, ou o apito do guarda de rua que encerrava o seu turno. A cidade "acordava" aos poucos para mais um dia de trabalho. O vai e vem tímido dos comerciários denunciava que o horário comercial ainda não começara naquela metrópole. Os pingos de chuva viravam o "alvo" dos antes olhares perdidos diante do asfalto molhado. No meio fio escorria uma minúscula cachoeira que levava "rastros" da má educação das pessoas. Algumas embalagens de biscoitos se misturavam a tampas de garrafas, latinhas de cervejas e até uma mecha de cabelo. Todos esses restos do consumismo desenfreado procuravam o esgoto mais próximo. No alto de um poste os olhos curiosos de um pombo procuravam entender o porquê daquele agrupamento de humanos. O primeiro homem da fila se encolhia no canto da porta e protegia parte de seu rosto com um boné muito gasto. O vento sibilava nos narizes daquelas pessoas e "chicoteava" os seus rostos tal qual um carrasco. Os pés deles já estavam se encharcando dos pingos da chuva. A fila já dobrava o quarteirão e ainda não havia sinais do começo do atendimento. Ao longe se ouvia um apito de um trem. Àquela hora desembarcavam trabalhadores do porto, das contruções, boêmios e autônomos de toda ordem. O sino da igreja "informava" a hora certa para os presentes naquela fila. A sétima hora do primeiro dia útil da semana prometia grandes esperanças para aqueles madrugadores. No início da fila apareceu um mendigo que olhou a todos com sentimentos de tristeza, piedade, e indiferença. Por isso ele desistiu de pedir dinheiro aqueles pobres homens. Ele já tinha passado por aquele estágio da vida, e compreendia a apatia de todos. Aos poucos a porta foi abrindo e mostrando a figura de um guarda sisudo que começava a distribuir as fichas. Os nomes daqueles homens e mulheres pouco importavam para ele, e sim a sua numeração. O número UM abriu um sorriso quando foi chamado ao balcão. Mas diante do servidor público o seu semblante foi fechando aos poucos. As palavras do funcionário provocavam-no um olhar triste e raivoso. O dia começava mal para ele, que levantou-se da cadeira, passou por um corredor, e ganhou a rua. O número 50 ainda olhou para trás e ouviu ainda um bater de portas violento. O cotidiano daquele posto de empregos exibia toda semana aquele cenário. Homens e mulheres ávidos por uma colocação no mercado de trabalho. No começo do dia eles se enchiam de esperanças. Mas ao final de 20 minutos as suas espectativas se evaporavam tal qual as gotas de chuva lá fora, que agora davam lugar a um sol inclemente. Aqueles bravos homens e mulheres que um dia em seus empregos foram chamados de senhor João, dona Carla, ou seu Eduardo, agora são denominados por ficha A1, ficha A2 ou ficha A100. Naquela condição todos aqueles desempregados "perderam" as suas identidades, a sua auto estima e acima de tudo a sua dignidade. Mas na semana que vem quem sabe algum deles volte a ter seu verdadeiro nome em seu tão esperado e aguardado emprego.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 07/09/2017
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