A poltrona solitária

Texto inspirado na musica "Ensaio sobre Ela - Cícero"

O dia estava claro, seco e calmo. A luz do sol que, entrava pela janela entreaberta, estava desbotada e a noite se aproximava. Eu observava, da poltrona próxima a janela, o nada que tomava conta deste momento, a inutilidade de vivê-lo, o espaço vazio que na memoria não seria ocupado por lembranças desse dia.

Bateu à porta, apenas uma vez, como se pensasse que eu já sabia quem estava lá. Andei calmamente, saindo da sala onde antes eu olhava pra rua, indo em direção ao corredor de entrada. Senti, de algum modo, certo nervosismo por trás da porta, e isso me deixou preocupado. Espiei o olho-magico, fora do costume, por incerteza e tive a surpresa.

Ela ainda era tímida e reluzente, seus cabelos cortados de maneira agora diferente, curtos acima do ombro. Estava com uma regata e uma calça jeans e carregava no braço um casaco preto e sua bolsa vinho pequena.

Reconheci seu olhar, os mesmos olhos azuis de antes, mas agora corajosos, sem perder o espirito do qual me recordava. “É ela!” meu coração gritou palavras que não saíram pela boca, “É ela” repetia com animação e entusiasmo. Naquele momento pequeno e eterno pude observa-la sem julgamento de ninguém, imensos segundos de apreciação.

Abri a porta com surpresa e sem palavras, apenas dei passagem para que se acomodasse na casa que um dia havia morado. Um sorriso amigável foi o suficiente para saber que ela queria conversar comigo e que já me esperava no sofá.

Fechei a porta, enquanto pensava, nadando sem sucesso no mar de duvidas, procurando o que dizer e o que fazer, enquanto meu coração infantil só tinha certeza de uma coisa, de que ainda amava ela.

Entrei pela sala em silencio, ela estava de costas e não virou quando me ouviu se aproximar. Estava sentada no sofá observando a mesma janela que antes eu contemplava, me trazendo novamente pensamentos vazios e de inutilidade. Sentei-me na poltrona, em frente ao sofá, que foi comprada depois de sua saída do meu apartamento, um móvel antigo e aconchegante, por vezes solitário.

Estávamos-nos encarando enquanto meu pé batia no chão excessivamente, por ansiedade e nervosismo, de maneira sutil, mas explicativa até que ela disse:

- ...

(A continuar...)