OBSESSÃO

Mário acordou por volta das três da manhã. Não havia dormido quase nada e estava certo que vararia a madrugada sem conciliar novamente o sono.

Aquela maldita ideia o atormentava há dias. Era preciso tomar uma decisão com urgência, caso contrário, estaria perdido definitivamente.

Tudo começou quando estava esperando por uma promoção havia já um ano. Trabalhava a finco. Não tinha hora para descanso. Até ficar em casa realizando trabalhos da empresa por altas horas da madrugada ficava. O pior é que estava percebendo que não ganharia aquela promoção. Havia rumores de que o patrão daria a promoção para seu colega de trabalho.

Começou a pensar no que fazer para destruir a imagem do colega. A primeira atitude que tomou foi se aproximar do colega o máximo possível. Convidou-o para uma festa que iria realizar em sua casa. Na oportunidade o colega estranhou o convite, mas depois aceitou e resolveu comparecer à festa.

Durante a festa fez de tudo para o colega se sentir bem. Manteve um assunto agradável, apresentou-o aos demais colegas e procurou ser gentil. No correr da festa começou a oferecer bebida ao colega. Observou que ele não consumia bebida alcoólica. Então trouxe suco natural. O colega sentiu-se à vontade. Mais tarde o colega começou a perceber que estava um pouco tonto. Pensou ser o calor.

Mais ou menos às duas da madrugada percebeu a ausência do colega. Não se preocupou. Pensou, friamente, que ele tivesse ido embora.

A festa acabou já passava das cinco e resolveu juntar os copos e algumas vasilhas que estavam espalhadas. Enquanto fazia a limpeza escutou um gemido. Sem compreender do que se tratava resolveu verificar. Próximo à piscina, num canto escuro, encontrou o colega se contorcendo com dores abdominais. Chamou o serviço de urgência e levou o colega para o hospital.

Depois de alguns dias de tratamento o colega retornou para casa e para o trabalho. O patrão já estava aborrecido considerando o colega um irresponsável e beberrão. Ele não defendeu o colega. Disse, simplesmente, que às vezes as pessoas se enganam e que as aparências também podem ser deturpadas devido a pequenas doses de excesso de confiança.

Assim, passaram duas semanas.

No dia seguinte o patrão confirmou que informaria quem iria ter a promoção. Sentiu-se tentado a se garantir como principal candidato. Teve uma ideia que o ajudaria nessa empreitada. Chamou o colega para sair. O colega aceitou.

Foram a uma festa próxima à praça principal da cidade. Pediu um suco natural para o colega. Tomou uma ou duas doses de vinho procurando se manter lúcido. Viu o colega se contorcer com dores na barriga. Perguntou ao colega o que estava acontecendo. O colega disse que não estava compreendendo mas que estava com uma dor insuportável na barriga. Não se fez de rogado. Chamou imediatamente o serviço de urgência e acompanhou o colega até o hospital. Foi prestimoso e generoso no mais alto grau de atenção. Chegou em casa e foi dormir tranquilamente. No dia seguinte teria sua promoção garantida.

O que o surpreendeu foi sua mente que insistia em dizer que ele havia agido de forma incorreta com o colega. Seu sono havia se transformado em pesadelo. Não conseguia dormir e lá estava ele como um zumbi pelas três horas da manhã. Debatia com sua consciência. E se fosse descoberto? O que fazer para se safar daquela situação? No dia seguinte teria que tomar uma decisão definitiva. Aquela maldita ideia o perseguia desde o primeiro dia que convidou o colega para a festa na sua casa. No dia seguinte teria que se decidir.

Levantou cedo e tomou um café forte. Sua consciência estava perseguindo seus passos sem descanso. Saiu para a garagem e ligou o carro. Entrou na rua com os pensamentos em colisão. Não conseguia controlar a ansiedade e a insegurança diante da decisão que tomaria.

Chegou ao local de trabalho.

O patrão já aguardava a sua chegada e parecia estar ansioso pela sua presença. Ficou feliz ao perceber que pelo olhar do patrão e pela receptividade a promoção já seria sua.

O patrão fez um discurso apontando a qualidade de todos os seus funcionários, parabenizando a todos por ter batido as metas do mês e lamentando a falta do funcionário que havia sido hospitalizado.

Depois olhando diretamente para ele perguntou se não teria nada para dizer. Ele titubeou um pouco. Ficou entre a cruz e a espada. Se revelasse seu plano perderia o emprego e, consequentemente, jamais teria a promoção tão sonhada além de correr o risco de ser preso. E se omitisse o fato nunca mais teria sua consciência tranquila.

Enquanto ia tendo esses pensamentos observou uma movimentação estranha. Percebeu as portas se abrirem e imediatamente aparecer policiais dando ordem de prisão. Sentiu que estava perdido. Quis fugir mas foi detido, algemado e preso por suspeita de ter tentado envenenar seu colega por duas vezes usando suco natural com gotas de um produto altamente tóxico.

Teve sua vida profissional liquidada e sua decisão refutada definitivamente. Não teve como se defender. A obsessão destruíra sua vida.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 03/09/2017
Código do texto: T6103712
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