Beijinho de bebê

Então é assim. Algumas pessoas evitam sentar-se ao lado de outras em coletivos ou trens devidos aos estereótipos cultivados, emprestados ou doados durante suas vidas; devido aos mitos, ao asco de simplesmente de ter que dividir um ambiente. Devido à antipatia pela combinação de roupas, do sexo e talvez da pele. É. Da pele. Dia desses estava eu lá sentado num daqueles bancos duros do trem seguindo para São Léo depois de ter evitado a companhia de um homem negro. Preferi arriscar minha sorte num daqueles bancos reservados para idosos, gestantes e deficientes porque queria o sol da manhã em meu rosto queimando minhas pálpebras e me fazendo ter sede. Eu queria era tomar um copão assim ó, de suco de laranja da Frukito bem geladinho. Fiquei lá enquanto o trem foi enchendo. No havia como não notar. As pessoas simplesmente evitavam sentar-se ao lado do negro. E ao meu. E ao lado de mulher que com um bebê dois bancos a frente do negro. Então ela entrou. Caucasiana embutida numa roupa de grife muito fina. Usava os óculos escuros como presilha de cabelos e um par de saltos que a deixava uns dez centímetros maior do que realmente era. Ela queria sentar. Ela olhou pra mim, depois para negro; depois para mulher com o bebe; depois para o negro outra vez e decidiu sentar-se ao lado da mulher com o bebê. Em algum momento, você acaba escolhendo o que lhe parece ser o melhor. De repente o bebê começou a se engraçar para o lado dela. Olha, geralmente julgamos as pessoas pelo tipo de armadura que elas vestem. As coisas estão escritas na maneira que teu corpo age, nos olhos, nas palavras que você usa e, droga, tava na cara que aquela mulher tinha mais jeito pra cachorros do que pra gente. Dava pra imaginá-la passeando com seu cachorro desviando dos cocos dos outros cachorros que o seu insistia em cheirar. A criança gostou dela e não teve jeito. Ela teve de brincar. Parecia não gostar. Eu e o negro continuávamos sós. Então veio a explosão. O bebê – crianças, crianças, crianças, pequenos seres desprovidos de maldade – resolveu carimbar “as boas vindas” com uma grande golfada na mulher. A dona deu um salto e soltou um palavrão. Tirou de dentro da bolsa um pacote daqueles lenços umedecidos como quem estivesse preparado para algo do tipo. Levantou e sentou bem ao lado do negro. Puro reflexo. Então olhou pra ele, se tocou do que havia feito e veio em minha direção. Olhou pra mim e deve ter pensado assim: “Ah não, outro.” E foi para um canto do vagão para tentar limpar a sujeira. Situaçãozinha nojenta. O trem parou. Ela desceu quando a porta abriu. Outra mulher entrou. Queria sentar. Caucasiana. Então olhou pra mim, olhou pra mulher com a criança e depois pro negro e resolveu sentar ao lado da mulher com a criança. . .

Ian Bruce
Enviado por Ian Bruce em 16/08/2007
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