Conto das terças-feiras - Os pombos
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 29 de agosto de 2017
Minha rotina matinal começa cedo. Acordo entre seis e sete horas, meu primeiro movimento é tomar um copo d’água, porque, segundo os cientistas, a água hidrata as células do cérebro, regula o funcionamento dos rins, melhora o trato digestivo, pela dissolução dos alimentos que ingerimos, lubrifica os músculos e articulações, e contribui com outros benefícios ao corpo.
O passo seguinte é separar os remédios recomendados pelos médicos que me atendem costumeiramente, tomá-los e preparar o desjejum, constando de café com leite desnatado e sem açúcar, uma fatia de mamão, geleia, dois biscoitos água e sal, e nada mais. Feito isso, passo a ler o jornal do dia; sim, eu ainda leio jornal em papel, colocando-me a par das notícias locais e nacionais.
É nessa hora que sou perturbado por aves de pequeno porte, cujo nome científico é Columba livia, vulgarmente conhecidos como pombos. Granívoros (comedores de sementes) e frugívoros (devoradores de frutos, desprezando as sementes), eles estão espalhados por diversas partes do mundo. Considerados animais sinantrópicos, que se adaptaram a viver junto ao homem, a despeito da vontade deste, são potenciais transmissores de doenças ao ser humano e a alguns animais. Sua população vem aumentando significativamente, principalmente no Brasil, transformando-se em problema ambiental e de saúde pública. Nas cidades, abrigam-se e constroem seus ninhos em locais altos como prédios, torres, sótãos, beirais de janelas, entre outros. Estas aves alimentam-se preferencialmente de grãos, mas aproveitam bem os restos de alimentos encontrados em locais públicos.
Causador de infecções em humanos o Cryptococcus neoformans é encontrado em excretas de pombos. Aqui no edifício onde moro, estas aves se juntam para devorar os restos de alimentos caídos das gaiolas de pássaros menores, criados por vizinhos moradores do edifício. Eles se aproximam em bando, logo pela manhã, por ocasião da limpeza e colocação de nova ração para os pássaros engaiolados. Sobra desse alimento cai na cobertura da garagem, que tem cobertura de alumínio. Como resido no primeiro andar, com janela bem próxima a essa cobertura, fica impossível ler o meu jornal. Eles fazem um barulho infernal, obrigando-me a jogar água para dispersá-los. É uma briga intensa, eles voam para cobertura do prédio vizinho, e ficam a me espreitar. Eles voltam, até não mais haver comida, deixando sempre seus excrementos. Parece filme de horror, tal e qual no filme “Os pássaros”, do famoso cineasta americano Alfred Hitchcock, de 1963. Esse filme eu assisti quando adolescente, e algumas cenas de pavor ficaram no meu subconsciente. Tenho receio de ser contaminado pelo Cryptococcus neoformans.
Outro dia eles chegaram antes de mim na cozinha, cuja janela fica aberta. Eles comiam migalhas de pão que permaneciam sobre a mesa, não eram muitos, três ou quatro. Assustado, recuei e procurei uma maneira de expulsá-los dali, sem perturbar os humanos de casa que ainda dormiam. Fui ao meu quarto, apanhei um lençol branco, enrolei-me nele e fui caminhando pé ante pé. Eles pararam de debicar, esperaram a minha aproximação, e voaram rumo à janela. Talvez, instintivamente, os pombos guardem a figura do espantalho, usada em campos agrícolas, simulando a presença do ser humano, como meio de afugentar aves, prática bem antiga e presente em diversas culturas.
Para evitar que os pombos retornem à minha cozinha, coloquei uma cortina branca na janela, sempre ao vento, na esperança de que nunca mais eles ousem invadir o meu território.