Minha mãe

Era clara, clara a minha mãe. E seus olhos eram grandes, cor de mel. E sorria muito essa minha mãe. Sorria para a vida, para os filhos, para a dor. E quando a dor chegava perto, amarelada e fria, ela a espantava com um sacudir de ombros. Por muito tempo a entendi vazia e frágil, talvez ausente. Por muito tempo a entendi manipuladora e talvez um tantinho egocêntrica. Quadros que pintamos de nossos pais ao longo de nossa vida, só pintamos, sem moldura, sem assinatura, sem saber ao certo. Hoje, tento ser como ela foi. Com sua enorme capacidade de se adaptar aos solavancos da vida, com seus ouvidos surdos a quem lhe dirigia ofensas, sua capacidade de ser feliz com pouco. Minha mãe trabalhava muito. Tinha seis filhos e poucos recursos; e eu a vi tirando água do poço, comendo manga no pé com um sorriso maroto, rezando enquanto andava pelo quintal. Amou meu pai e nunca o abandonou, mesmo quando ele o teria merecido. E permaneceu com os filhos até sua morte, morte dolorosa e triste. Hoje, quanto eu queria levá-la- a passear pela praça, ela olharia os pássaros que já dão boas vindas à primavera, colheria as flores ansiosas por nascer, sentaríamos juntas no banco e ela diria:

– Lindo, filha, lindo, adorei o passeio!

Não posso mais fazer isso. E para essa dor que por vezes me acorda e me esfrega os olhos com ansiedade, só posso escrever como o faço agora. E pensar que um dia tornarei a vê-la.

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 21/08/2017
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