Um dia para se lembrar que você é um lixo
Imagine um dia em que tudo dá errado.
Foi assim que começou o dia de Raul. Já de madrugada, acordou suando, embora estivesse frio, e teve que trocar as roupas molhadas. Pelo menos é suor e não outra coisa, pensou ele. Bem dormido ou não, o despertador tocou às 6:00 sem erro, e Raul gostaria de ter se levantado, mas ligou o modo soneca e tentou dormir mais 10 minutos, sentindo-se com um resfriado daqueles.
Após ativar a soneca várias vezes seguidas, percebeu que já eram 7:00 horas e iria se atrasar pro trabalho. Inclusive já estava atrasado, e teve que pular o café da manhã, mas, depois de se arrumar, lembrou que hoje era dia de visita no escritório, e os funcionários precisavam ir de traje social.
Contrariado, Raul trocou de roupa e vestiu o terno com pressa; pegou as chaves do carro e saiu de casa. Atrasado.
O trânsito estava horrível: carros lentos, carros parados, ônibus lentos, pedestres malucos; mas chegou à tempo no trabalho.
No trabalho, Raul enxugava o nariz que não parava de pingar e tentava ser produtivo, até receber informação do chefe de que havia perdido um prazo. "Não não, doutor, o último dia do prazo é hoje, o sistema é que está errado". O sistema está sempre errado, mas dessa vez Raul também estava, e a bronca veio de cima, por email, mais tarde.
Não adianta lamentar o leite derramado, e Raul continuou seu trabalho, porém somente durante alguns minutos, pois bateu com o pé na tomada e o computador desligou sozinho. Antes de sair pro almoço ele conseguiu repetir a proeza outra vez, até o momento em que o chefe chamou seu nome e lhe entregou um papel virado para baixo com um clips. Raul sabia que não estava indo bem no trabalho, e que não demoraria a ser chamado pra uma conversa, mas receber o aviso prévio assim, do nada, seria alarmante.
Raul encarou o papel na mão de seu chefe por um momento, e então o pegou com receio. Não era o aviso prévio, era o cartão de aniversário de uma colega chata pra ele assinar.
Nesse momento, ele percebeu uma coisa muito mais importante que a situação atual: esquecera suas meias. Sim, Raul estava usando meias brancas grossas com sapato, e elas mal chegavam no tornozelo. Estava ridículo. Ele tinha que dar um jeito naquilo, pensou. E então decidiu: iria para casa na hora do almoço pegar um par de meias pretas finas. Até lembrou aonde ele as deixara, em cima de uma caixa em seu quarto.
Decidido, Raul pegou o carro e foi voando para casa. Era uma viagem longa, ele teria que ser rápido pra ir e voltar em menos de uma hora e ainda conseguir almoçar na volta. Disse pro seu amigo que ia pegar uma coisa em casa. Ah, se ele soubesse a realidade dos fatos...
Chegando em casa, Raul teve outra surpresa, havia esquecido a chave no escritório. Por sorte, sua mãe ainda não tinha saído pro trabalho e abriu, perguntando o que ele fazia lá: "eu esqueci minha carteira em casa". Entrou em seu quarto enquanto sua mãe o seguia, e de forma rápida e sagaz, pegou as meias e colocou no bolso, junto da carteira, enquanto fingia estar colocando ela ali. E foi embora. Não tinha almoço em casa mesmo.
Com a sensação de missão impossível cumprida, Raul entrou no carro e dirigiu de novo pro trabalho, pilotando pelas ruas como o Tom Cruise, até colocar a mão no bolso e perceber que só havia pegado uma meia na pressa. Uma. UMA MEIA. E agora? Usar uma branca e uma preta? Não usar nenhuma? Não, missão dada é missão cumprida. Vou comprar uma meia. Mas aonde? Tem um shopping no caminho, acho que dá tempo.
Entrou no estacionamento do shopping, desceu do carro e correu pra primeira loja de ternos que viu. "Eu quero meia preta pra sapato, por favor", não temos. Ok. Segunda loja: "Meia preta pra sapato!". Eles tinham. Estava em promoção. Custava apenas R$ 39,90 o par de meias, mas como estava em promoção, faziam por R$ 29,90. UM par de meias.
Ao se deparar com as meias mais caras do mundo, Raul quase abandonou sua missão, mas já que estava lá, passou as meias no cartão e correu pro trabalho.
Calçou elas no carro e correu pra bater o ponto no escritório, com 1 minuto de atraso, cansado, resfriado, e sem almoço.
É, meus caros. A única motivação de Raul era de chegar em casa e escrever um conto sobre isso, porque, às vezes, a gente levanta da cama só pra tomar no cú, mesmo.