Quem É Artur Koogan?
“Um espaço para autores novos poderem ascender e veteranos se manterem no mercado.”
Esse era o lema da Editora Brasileira, fundada por José Paulo Álvares, vulgo Jota, há quatro anos.
Infelizmente, os novatos só se interessavam em lançar os seus trabalhos (sem revisão ou leitura crítica) em sites como Wattpad ou Recanto das Letras para depois venderem e-books no Amazon. Por outro lado, os veteranos se achavam grandiosos demais para investirem em uma editora pequena, ainda que o atendimento fosse rápido, educado e muito prestativo. Se não fossem alguns gatos pingados participando das antologias de contos e poemas que ele mesmo organizava, as revisões de trabalhos acadêmicos feitas por fora e o fato de Amanda, esposa de Jota, ser dona de uma padaria, as contas sempre fechariam no vermelho.
Outra sorte de Jota era o fato de Amanda ser paciente por também ser uma empreendedora. Para a infelicidade do editor, a tia-avó de sua esposa, Gertrudes, não concordava com ela. Em suas visitas frequentes nos finais de semana, cheirando como se tivesse vinte gatos nos bolsos (apesar de ter apenas três em casa), a velha sempre disparava comentários ácidos como:
— Amandinha, minha querida, você se lembra daquele seu vizinho que gostava de ti? Pois é... Ele cresceu e virou um rapaz grande, forte, bonito e piloto na Aeronáutica. Ganha não sei quantos mil por mês... Se você tivesse casado com ele, aposto que a sua vida teria sido muito melhor...
Com tais ideias, não era por acaso que Jota saía de casa e ia de carro visitar o primo Alexandre, que morava nos limites da cidade. A vida de bibliotecário que faz serviço voluntário como mágico e palhaço em um hospital infantil fazia do primo de Jota uma das melhores pessoas para desabafar sem a necessidade de bebidas alcoólicas. Jota desabafava enquanto seu primo se arrumava na frente do espelho para o serviço voluntário. O editor contou seus desejos de ver não só a editora conseguir sobreviver em meio à zona de guerra que é o mercado editorial como, também, o de entregar bons produtos ao público (porque o livro, no fim das contas, é apenas um produto).
Ao término da confissão, Alexandre sugeriu:
— Acho que você precisa pegar tudo isso que está sentindo e direcionar para uma atitude positiva. Já que você é dono de uma editora, por que não publica algo por ela?
— Não acho sensato. É muito oportunismo, e o meu nome não faz vender livros – respondeu Jota.
— Você não precisa ser você para alcançar um objetivo – filosofou o primo. — Veja o meu caso, por exemplo: trabalho em uma biblioteca quase no interior da cidade. Ninguém me conhece, e poucos vão com a minha cara. Nem os funcionários do hospital reconhecem o meu rosto. Mas basta uma maquiagem, um penteado, uma roupa diferente e... pronto! Temos um personagem que todos admiram: Magus, o mago.
Olhando por aquela perspectiva, Jota havia reparado como o seu primo ficava diferente com aquela maquiagem, o terno roxo combinando com a cartola e a gravata borboleta. Até a camisa branca era um diferencial, visto que o primo era tão fã do Capitão América que só vestia camisetas com a estampa do super-herói.
— Uau... Você tem razão. Posso tirar uma foto sua?
— Claro.
Jota tirou a foto e deu uma carona ao seu primo até o hospital para ele fazer a sua apresentação. No estacionamento, se sentiu inspirado pela foto e as ideias do primo. Criou um perfil nas redes sociais com a foto e, na hora de colocar o nome, pensou na lenda do rei Arthur, a qual adorava, e no sobrenome do protagonista de um livro novo que estava lendo, Cavaleiro Negro, para criar o nome falso. Só precisou adaptar no nome do dono da Excalibur para criar uma identidade mais abrasileirada.
Naquela noite, nascia Artur Koogan.
*
Embora fosse um leitor assíduo e com uma boa experiência no mercado editorial, Jota sabia que só isso não era o suficiente para ser escritor. E, para se tornar um, caiu de cabeça na pesquisa. Por sorte, um artigo chamado “Arquivos para escritores” de um blog chamado “Detonerds” o ajudou bastante a conhecer livros e podcasts, além de artigos em blogs e sites que o instruíssem na escrita.
Cada material lido ou ouvido por Jota era comentado nas redes sociais. Em alguns casos, Jota recebia respostas agradáveis e construtivas. Em outros, respostas sem justificativa ou até xingamentos. Com tais experiências, ele aprendeu a separar o joio do trigo e formar uma base de simpatizantes e leitores.
Seus primeiros trabalhos eram contos e crônicas publicados em páginas para escritores, como Recanto das Letras ou Wattpad. Apesar dos elogios e alcance com o público, Jota manteve os pés no chão, lembrando que números de visualizações nem sempre significavam sucesso. E não deixou de continuar se aprimorando. Até que depois de alguns meses de estudos e prática de escrita, ele teve a ideia de escrever sobre várias pessoas que tiveram de superar algum trauma na vida. Daí surgiu o primeiro livro assinado por Artur e publicado pela Editora Brasileira: Pra sempre nem sempre é pra sempre.
A fama não foi imediata. Alguns fãs compraram, e, infelizmente, Jota caiu na lábia de muitos blogueiros pedindo exemplares de graça em troca de resenhas. Algum tempo depois, viu que tais resenhas eram só a sinopse do livro. Seja como for, ele aprendeu com a experiência e, mais uma vez, deu um jeito de separar o joio do trigo.
No segundo livro assinado por Artur, Jota foi mais ousado: escreveu sobre a jornada de um repórter obrigado a escrever notícias tendenciosas para uma revista, ao mesmo tempo em que possuía mais liberdade em um blog. Este trabalho, intitulado Situação Crítica, já teve um índice de vendas maior e até chamada para Artur ser entrevistado em um podcast conhecido no mercado literário – o escritor, como personagem, teve que recusar o convite alegando desconforto em entrevistas e cedeu espaço a um “grande amigo, o dono da Editora Brasileira”. Assim a editora passou a ter mais destaque no mercado, recebendo mais autores para publicações solo e organizadores de antologias.
O caso mais curioso de sucesso foi quando uma leitora entrou em contato diretamente com Jota via e-mail, alegando ser uma grande fã de Artur e, para comprovar, mostrou uma foto com o nome do escritor tatuado em uma das nádegas. Jota, envergonhado, deletou o arquivo e deu graças a Deus por sua ciumenta esposa não estar ao seu lado quando ele viu tal foto.
*
A editora estava bem consolidada no mercado. Dois livros de Artur, com um terceiro sendo produzido, autores novatos e veteranos publicando ao mesmo tempo em que antologias eram organizadas por dois jovens autores mineiros e dois paulistanos.
Contudo, uma reclamação começava a surgir em eventos: a falta da presença de Artur. Qualquer autor que desse uma palestra recebia a pergunta sobre quando veriam o famoso escritor. Estandes da editora recebiam curiosos com o mesmo questionamento. E, cada vez mais, o povo ficava impaciente.
As teorias sobre os motivos pelos quais o escritor nunca aparecia em eventos eram variadas: alguns achavam que era por problemas na agenda pessoal, outros formulavam hipóteses sobre ele ter algum problema de saúde e até havia quem achasse que Artur Koogan estava envolvido com alguma seita. O editor não tinha escolha senão negar tudo. Até que certa vez, Jota organizou um evento em uma grande livraria para uma de suas autoras que, apesar de ser brasileira, veio da Hungria para falar com um grande público sobre o seu mais novo livro. Ao abrir espaço para perguntas, um integrante da plateia a questionou:
— Você conhece o Artur Koogan?
— Não, mas confesso que adoraria. Adoro os trabalhos dele – admitiu.
— Nós também adoramos. E queremos saber quando o editor pretende organizar algum evento com a presença dele – disse o mesmo rapaz.
O povo concordou com o questionador. E Jota se viu acuado.
Enrolar o público ou dizer a verdade?
Correr o risco de lidar com uma explosão da impaciência ou com o choque da realidade?
Jota sentiu como se algo em seu estômago subisse como um foguete pelo seu tronco e garganta, saindo pela boca nas seguintes palavras:
— Eu sou Artur Koogan! Aquela foto de perfil é do meu primo que mora no fim da cidade e sou eu que estudo, escrevo e reescrevo os livros publicados em minha própria editora!
O público ficou em choque. Até a escritora ficou sem palavras. Jota sentiu um arrepio correr pela espinha e já podia ver a explosão de ódio no evento e nas redes sociais, culminando no fim de sua editora e os eternos comentários da tia-avó de sua esposa.
Incrivelmente, o silêncio foi quebrado por uma explosão que ele jamais imaginava que ocorreria naquele momento: de gargalhadas do público. Até a autora estava corada de tanto rir.
— Jota, essa foi boa... – comentou a escritora, em meio às lágrimas.
— Que ideia mais maluca! – explanou o rapaz da plateia responsável pela pergunta. — Tudo bem que o Artur é excêntrico nas redes sociais. Agora você ter que inventar essa história maluca só para não explicar por que ele não aparece em eventos... é de matar de rir! Ai, ai... Essa foi boa. Você devia escrever um conto ou até um livro com isso!
E o público continuou rindo por mais tempo, até a vontade passar e levar com ela mais perguntas sobre o paradeiro do escritor.
Jota se sentiu aliviado. Se o público realmente gostava de Artur e ia aceitar a suposta timidez de seu alter ego, era o que bastava.
O importante era o seu trabalho continuar sendo querido por todos.