O sorvete de esquina.

Estava um calor daqueles quando Fê decidiu se refrescar com sorvete de creme. A sorveteria Geladinho ficava na próxima esquina, um casarão velho, datado da época de 1950 de construção. Antes fora um grande loja de tecidos pertencida a uma família nobre da região que veio a falência por questões de divisão de herança.

Fê adorava o sorvete de creme e gostava de sentar nas cadeiras postas na calçada, pois, podia acompanhar o movimento da rua, que por ser no setor central era uma muvuca grande de carros e pessoas pra lá e pra cá.

Ali sentada, ela avistou um carro preto rebaixado com rodas grandes e descendo dele o jovem mais belo que ela já vira em toda sua vida. Léo, era o nome dele, um rapaz encantador da turma do 3 ano, ele namorava somente as garotas mais bonitas e populares do colégio, Fê nunca teria chance.

Léo desceu do carro e junto dele uma senhora de cabelos na altura dos ombros, loiros e cacheados. Devia ser a mãe dele, pela semelhança, Fê abaixo a cabeça pois sabia que um garoto como Léo jamais teria olhos para ela. Porém, para sua surpresa, Léo aproximou-se e com um sorriso grande mostrando o aparelho ortodôntico nos dentes disse:

__ Oi menina!

__Oi... – que tola! Fale algo mais – dizia ela para si mesma.

Mas só saiu o Oi. Léo e sua mãe entraram dentro da sorveteria e ficaram lá escolhendo os sabores do sorvete que levariam nos potes. Na saída, passaram por Fê, sem dizer nada, antes de abrir a porta do carro, Léo procurou Fê com os olhos e piscou os olhos fazendo Fê corar.

Fê nem acreditara no que acabara de acontecer. - O Léo! Ele piscou pra mim! Amanhã precisava ir mais bonita para a aula, precisava ver se Léo a notaria no recreio também. Voltou pra casa apressada, lembrando do sorriso e olhar do Léo.

No outro dia tratou de chegar mais cedo a escola e esperar por Léo no portão de entrada, ali quando ele passasse a veria e assim poderia lançar de novo o sorriso ou até mesmo conversar. Os olhos de Léo piscando era tudo que Fê pensava quando passava o batom nude na boca e penteava seus cabelos, dessa vez não iria com eles presos e sim soltos bem alisados.

E no portão de entrada, ali estava Fê com sua calça jeans e a camiseta do uniforme, os olhos bem atentos procurando por Léo, e quando enfim ele apareceu não estava só e sim acompanhado de uns garotos e como sempre das garotas que o paparicavam sempre. Nesse momento um frio na barriga e um nó na garganta tomou conta de Fê, ela não sabia o que fazer mais, estava tão ansiosa por Léo que esqueceu de que ele sendo quem era não iria notar uma garota comum como ela, que se tratava apenas de uma nerd. Mas para a sua surpresa, Léo a viu, só que desta apenas olhou sem sorrir, sem ao menos sinalizar nada... Uma indiferença total. Decepcionante para Fê. Por um momento chegou a pensar que ele poderia não ter gostado dos cabelos soltos mas no fim das contas, a culpa era dela mesma que se entusiasmou por muito pouco, claro que um garoto popular como Léo não iria dar atenção.

Subiu as escadas correndo pra sala de aula, em outros dias, era quase sempre a primeira a chegar na sala e desta vez foi a última pois teve que esperar por um sorriso e olhar. – Que coisas heim! – dizia Fê para si mesma. – Que tola!

Fê quase não se concentrou na aula, durante o intervalo, Arnaldo o seu melhor ou talvez único parceiro de trabalhos comentou sobre como esteve ausente, os professores poderiam ter notado, mas Fê não se importou, sua mente estava ocupada em se culpar por ser tão inocente de deixar-se entusiasmar por um sorriso bobo.

___ Não estou muito bem hoje, Arnaldo, vou caminhar um pouco até voltar para sala. – E saiu.

Encostou-se em uma árvore que ficava em frente a cantina do colégio, cruzou os braços como se observasse a caminhada dos outros jovens pelo pátio e foi aí que uma mão tocou leve seus ombros, quando Fê se virou, um garoto do 3 ano, que não sabia o nome, disse-lhe grosseiramente dizendo:

___ Você vai ficar aí mesmo? Não está vendo o tanto de formigas subindo na árvore? – E saiu rindo e cochichando com o colega dizendo que Fê era uma tola.

A aula de química passou e Fê despercebida de tudo, não conseguiu entender nada do que a professora dizia sobre metais alcalinos e metais representativos, que diferença fazia aquilo se os pensamentos de Fê só conseguiam se lembrar de um olhar sério e indiferente recebido naquela manhã. – Ainda bem que não o viu durante o intervalo, na certa estaria com Ana Lucy, a mais extrovertida e interessante aluna do 3 ano, todos sabiam que ela e Léo já haviam se pegado em várias festinhas do colegial. E Ana Lucy era linda mesmo, tinha atributos que os garotos procuravam nas meninas, e ela sabia que era bonita, sabia se fazer desejável, as vezes até os professores eram mais atenciosos com ela, talvez por sua beleza.

Na saída do colégio, Fê e Arnaldo saíram um tanto apressados para poderem passar na Lan House, queriam acessar um blog de contos e crônicas que estava fazendo o maior sucesso com os internautas, era de uma escritora popular Liliene Rodrigues. Era dia de crônica e ela Arnaldo adorava as incógnitas deixadas em aberto para reflexão do leitor, ela e Arnaldo adoravam comentar sobre os supostos finais que poderiam ter os textos. Então, alguém esbarrou no seu braço, quando olhou era Ana Lucy e adivinha com quem ela estava abraçada? – Acertou. Léo.

E Léo olhou fixamente nos olhos de Fê, desta vez, sério. Não com o mesmo ar de indiferença que teve pela manhã, mas um olhar de como alguém que quisesse dizer algo com os olhos. Só que Fê não conseguiu entender nada, talvez só quisesse ver quem havia esbarrado em sua namoradinha, ou talvez a estivesse achando mais feia do que os outros dias, sei lá, talvez Liliene Rodrigues conseguisse decifrar o olhar de Léo, melhor que ela mesma. Ou ainda, talvez fosse Fê que estava lendo contos demais e acabando criando situações irreais a sua volta.

___ Fê!? Que coisa heim, não está prestando atenção em nenhuma palavra do que eu digo! – Arnaldo falava sem parar no ouvido de Fê.- Como ele conseguia falar tanto assim? O pessoal do colégio sempre comentou que Arnaldo era gay e até Fê sempre achou, mas isso não importava pra ela, já que Arnaldo era um bom companheiro nas horas em que precisava compartilhar suas neuras .

No dia seguinte, Fê saiu mais cedo, mas desta vez não ficou no portão de entrada, foi direto para a sala como sempre o fazia. Não soltou os cabelos e já estava tirando a mochila das costas quando alguém a chamou:

__ Ei, uma pessoa pediu para lhe entregar este bilhete. Leia e responda com um ok.

Fê franziu as sombrancelhas, não gostava do menino, era um retardado da escola, metido a

Valentão só porque mangava bem nos esportes de educação física. Não teve muito tempo de criticar o garoto em pensamentos, pois, seu coração disparou muito forte naquele momento. O bilhete trazia uns rabiscos dizendo:

As 16 h,em ponto, no Geladinho.

Um beijo,

Léo.

E agora? O quê fazer? O garoto estava parado ali, com um sorriso malicioso, olhando a cara de boba e corada que Fê devia estar fazendo no momento, Fê endireitou os ombros e perguntou:

__ Por quê deste bilhete?

__ Sei lá, responde logo!

Grosso! Fê não poderia esperar algo diferente disso vindo de quem era. Mas tratou de pegar a caneta dentro da mochila e responder:

Ok. Aguardo com curiosidade.

Fê.

Ela não quis demostrar no bilhete a ansiedade e alegria que ficou com aquilo tudo. Por outro lado, não pôde se concentrar nas aulas novamente pois, não parava de imaginar o que ele queria com ela, depois de ter ignorado duas vezes em um dia. Será que Ana Lucy estava sabendo disso? E se fosse tudo uma curtição que estariam fazendo para poderem rirem dela?

Ela não iria a encontro nenhum. Ninguém riria dela de graça. Ponto final.

Chegada as 16 h, Fê estava na rua do Geladinho, olhando de longe para ver se via Léo e o avistou sentado na mesma cadeira que ela sentou no dia em que o viu. Como não conseguiu cumprir o que disse para si mesma que não iria, já estava ali e não podia mais voltar atrás, olhou em volta para ver se havia alguém do colégio por perto, pro caso de ser uma gozação armada, mas não havia ninguém, então aproximou-se ao mesmo tempo em que Léo levantou-se da cadeira e dirigiu-lhe o mesmo sorriso encantador mostrando o aparelho:

__ Olá Fê, que bom que veio. – Léo piscou para Fê e a olhou dos pés a cabeça ainda sorrindo. Fê que vinha o caminho todo com um gelo na barriga, estremeceu as pernas até quase não poder disfarçar, mas sorriu educadamente dizendo:

__ Estou curiosa.

__ Você aceita um sorvete?

__ Sim, obrigada, gosto do de creme e você?

__ Gosto de qualquer sabor, mas fico com o de creme por você.

Que papo era esse? Fê tremia cada vez mais na cadeira. Léo delicadamente levou suas mãos até os cabelos presos de Fê e os soltou.

___ Você fica linda assim, devia usar sempre assim.

___ Obrigada, mas o que você quer comigo Léo? – O coração de Fê quase saía pela boca. É claro que ela sabia o que estava acontecendo.

O garoto apenas riu e começou a saborear o sorvete de creme. Começaram a conversar sobre assuntos da escola, as matérias chatas e as agradáveis, os professores que vestiam de modo ridículo, sobre os pais que pegavam no pé por boas notas e tal, quando terminaram o sorvete saíram caminhando passando pela esquina da sorveteria, ao que Fê notou já ser quase 18 h, haviam conversado mais de uma hora! Ela nem viu o tempo passar.

Foi quando Léo a abraçou pela cintura e puxou seu corpo de encontro com o dele, a beijou nos lábios e Fê adorou nem acreditava no que estava acontecendo.

__ Léo ... E a Ana Lucy?

__ Deixe-a lá. O que tem ela? – A agarrou de volta e tornou a beijá-la.

Naquela, o sabor do sorvete de creme parecia estar bem mais gostoso do que os outros dias...

Liliene Maria Rodrigues
Enviado por Liliene Maria Rodrigues em 13/08/2017
Reeditado em 01/10/2019
Código do texto: T6082336
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