"O quê?" ou "O dia que saí para ver a montanha"
- O quê?
Esse “o quê?” dela era irritadiço. Tinha a sua frente o notebook e vários livros. Sua mente então concentrada no aprofundamento das letras diversas era suspensa por uma intromissão qualquer. Uma intromissão que não tinha relação com seu aprofundamento ensimesmado.
- O quê?
Dava para ver em sua face o mal-estar provocado pela interrupção dos seus movimentos cerebrais. E a coisa ficava pior porque não era apenas o cérebro que trabalhava, mas o coração também. E aquela interrupção afetava a bomba de sangue. O sangue diminuía sua fluidez e sua respiração mudava. Ela precisava estar tensa, pois as letras provocam isso. Mas a interrupção tinha o objetivo de lhe tirar daquela tensão e transportá-la para tensões alheias.
- O quê?
- Esquece...
- Não, pode falar.
- Esquece, nada de importante, depois te falo.
- Tá, ok.
Resolvi sair e ir até à montanha. Já a avistava de longe. Não tem chovido, mas seu mato ainda está verde. Um verde de verdade. Um verde que ainda resiste. E ela deslizava como cascata e repousava se esparramando num lago qual espelho. Sua imagem era refletida no lago e parecia haver um outro mundo lá dentro. Um mundo mais sereno, calmo. Os seres do lago viviam uma paz diferente, uma indiferença total às coisas do lado de cá. Mas ainda esse pedacinho do mundo real era bonito e admirável.
Na beira da estrada bebi café adoçado com rapadura. Voltei para casa contornando outras montanhas, outros lagos. Talvez o prolongamento da mesma montanha e do mesmo lago. A lua já aparecia e me acompanhava.
Cheguei em casa. Passei pelo seu quarto. A porta estava entreaberta. Vi seu corpo curvado, seus olhos inchados, sua face vermelha.
- Entra.
Entrei e conversamos.