AGENOR
Agenor vivia inquieto. Desde que se aposentou há cerca de um mês não se acostumou ao marasmo da sua vida. A rotina de "vagabundo" (termo usado por um certo presidente brasileiro para os aposentados) deixava-o frustrado. Ele sempre fora um funcionário muito ativo da RFFSA. Os quarenta anos de serviços prestados a rede ferroviária foram bem vividos. Os seis dias da semana com jornada de 8 horas diárias lhes trazia satisfação. Agenor esteve no emprego certo e na profissão que o pai escolheu para o agora aposentado. Ele seguiu a tradição da família. Todos os seus antepassados foram maquinistas. Nessas quatro décadas o idoso criou 4 filhos que hoje estão formados e moram cada qual em suas casas. A sua única companhia no momento é a velha Donana. A sua esposa falecera há cerca de 10 anos, mas Agenor nunca casou, e trouxe da fazenda de seu Netinho (fazendeiro da região) a criada que se tornou a sua confidente. A relação dos dois era de irmão para irmã. Todos os dias o antigo maquinista dirigia-se à estação de trem para acompanhar o movimento dos trens. Agora na posição de aposentado tinha todo o tempo disponível, o que lhe desagradava, e a única diversão era observar a rotina da estação de trem. Ele, mentalmente, ainda se achava jovem e poderia contribuir com alguma ação social e passar a experiência adquirida para os jovens. Mas o que fazer se a sociedade relega o idoso a um instrumento ultrapassado. Agenor não se deu por vencido. Após assistir pela tv uma campanha de solidariedade de uma ONG ele resolveu candidatar-se à vaga de voluntário. Então no dia seguinte foi à parada do transporte coletivo e esperou por 50 minutos. Ele foi praticamente empurrado para dentro do ônibus. A veículo além de velho não oferecia cadeiras para idosos ou deficientes. As cadeiras mal conservadas estavam ocupadas por muitos jovens que ignoraram a presença do aposentado. O antigo maquinista finalmente chegou ao centro da cidade. Quando desceu do veículo coletivo Agenor viu aquilo que parecia um mercado persa. As calçadas do antigo Cine Glória (onde ele conhecera a sua esposa falecida no passado) estavam ocupadas pos camelôs, vendedores de água mineral, produtos falsificados e até venda de comidas típicas à base de milho. O trajeto até a instituição foi difícil. No caminho tinham muitos obstáculos que obrigaram ao idoso transitar pela rua. Por pouco não foi atropelado por uma moto "envenenada". Na esquina de uma loja de departamentos ele encontrou com algumas mulheres com vestidos longos, grandes colares e lenços na cabeça. O idoso entendeu que eram as ciganas que advinhavam o futuro dos passantes. Ele resolveu verificar o que estava reservado para os próximos anos em sua vida. Agenor pagou 100 reais para saber que iria receber um prêmio. O antigo maquinista entrou em transe. Quem sabe se o tal prêmio não seria um título oferecido por uma câmara municipal pelos bons serviços prestados à ONG. Quando acordou do transe estava sozinho e não encontrou as tais ciganas. Mas conseguiu chegar à instituição finalmente. Porém foi mal recebido pelo porteiro que o confundiu com um cobrador de aluguel. Ele tentou apresentar o seus documentos, mas notou que roubaram a sua carteira com todo os seus pertences. Não soube dizer se fora roubado no ônibus ou pelas ciganas. Agenor estava sem dinheiro e sem documentos. Ele tentou uma carona, todavia foi chamado de vagabundo pelos motoristas. O idoso voltou a pé para casa decepcionado. O mundo que ele conheceu não existe mais. A honestidade e o respeito ao idoso estão quase extintos. Triste sina.