Bar

Deixou o copo no balcão, virou-se para mim e disse:

-Ora, o que ainda fazes aqui? Já lhe disse que não preciso de companhia.

Logo percebi que ela estava embriagada e disse que ficaria, pois de uma forma silenciosa ela dizia sim que precisava de companhia. Carla era muito nova para estar ali num bar a esta hora bebendo mas ela era uma boa menina e sabia eu que ela era triste. Pedi uma bebida para mim e continuei a olhá-la fixamente e ela parecia não se intimidar com aquilo. Por fim, perguntei-lhe:

- Com quantos amantes já esteve?<br>

- Cinco. - Respondeu-me ela, agora com mais brandura na voz. Eu, ali naquele momento senti que ela se recolhia num silêncio só dela e continuei com a minha bebida, e ela com a dela. Passaram-se longos dez minutos do nosso silêncio e eu resolvi quebrá-lo perguntando a ela o que a levava a beber tanto já que nem idade para isso tinha.

- Bom, são os amores.

E com aquela resposta parei um pouco para refletir. Como uma garota tão bela e jovem pode sofrer por amor? Bom, o amor vem para todos, e com ele vem também o sofrimento. Agora acho que não há idade para essas coisas. Carla devia ter uns quinze anos apenas e já estava bêbada e dizia ser por amor, ora, quem será que a está fazendo sofrer tanto?

Fiquei um breve momento ponderando perguntar a ela sobre os detalhes de seu sofrimento, não sabia se era certo fazer isto, mas fiz assim mesmo e ela, com a voz embriagada me contou uma história mais ou menos assim:

- Bem, encontrei um garoto no colégio, chamava-se Marcos, nós nos tornamos amigos e éramos da mesma sala, logo nos apaixonamos e eu disse a ele e ele me disse que o sentimento era correspondido, então começamos a sair todos os finais de semana e fomos nos conhecendo cada vez mais. Lembro-me do primeiro beijo, do primeiro aperto de mão, do primeiro toque no rosto... Lembro-me de praticamente tudo. É como um livro em minha cabeça. Começamos a namorar, íamos na casa um do outro e nos divertíamos muito juntos, eramos acima de tudo, melhores amigos. Muitas vezes eu o via chorando e ele nunca me contava o motivo, e então eu o abraçava até que ele parasse de chorar. Eu, por minha vez, nunca insisti para que ele falasse, não queria me intrometer, então resolvi esperar pelo tempo dele. Tudo entre nós era perfeito, nossas brigas bobas só serviam para aumentar o afeto e estávamos sempre juntos, nunca um sem o outro.<br>

&nbsp; Um dia cheguei em sua casa e minha sogra disse que ele não estava, que tinha saído para resolver algumas coisas. Então, desapontada por ele não ter me avisado, fui para a casa e não telefonei para ele. No dia seguinte acordei com a mãe dele em minha casa e ela dizia-me que ele havia se suicidado. Eu, sem reação, fiquei ali apenas, parada feito uma estátua, tentando digerir a informação e me passava um filme de lembranças na cabeça, todos os nossos momentos, e eu nunca imaginei que ele pudesse fazer algo assim. Então, comecei a me culpar. Por que diabos eu o deixei sozinho? Por que diabos não o ajudei? Subi para o meu quarto e chorei, chorei todas as minhas lágrimas até dormir. No dia seguinte, enfrentar tudo o que estava por vir era um sacrifício, mas eu fui e enfrentei. Me despedi dele e foi a coisa mais dolorosa que tive de fazer. Droga, por que aquilo tinha que ser tão duro? Depois disso tudo o tempo foi passando, e está passando, mas eu ainda me lembro de tudo, e eu nunca vou me esquecer. E é por isso que frequento bares, e é por isso que me embriago, para ser outra pessoa, para que esse filme pare de rodar em minha cabeça. Eu não soube o que dizer, ali parado, depois de ouvir com atenção a história. Então a abracei e disse que as coisas iriam ficar bem. Que tudo iria ficar bem. Que a vida, apesar de dolorosa é plena arte que devemos aprender a criar e lhe disse para beber o quanto quisesse, que fizesse o que quisesse, mas que a dor não iria diminuir. O que a faria melhor seria aceitar a perda e pensar nele como uma graça, como um ser que foi para ela um anjo e que ainda a amava de onde ele estivesse.

Depois dessas palavras, ela secou as lágrimas, pagou a conta, e se foi.

Samela Samaí
Enviado por Samela Samaí em 01/08/2017
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