MORRERAM LINCHADOS
O bonitinho da zona passava horas olhando para os astros, menino sonhador, filho único da mãe, que perdeu o marido quando Sérgio ainda estava no ventre com apenas seis meses de vida.
Dona Madalena como era tratada no bairro, uma mulher batalhadora, humilde e acima de tudo honesta, trabalhava como empregada doméstica para garantir o pão para o seu filho.
Todos os dias antes de ir ao trabalho, levava Sérgio para a escola e não parava de encorajá-lo a dedicar-se fortemente aos estudos com vista a criar condições para um futuro melhor. Por sua vez, Sérgio acatava os conselhos da mãe demonstrando ser um bom aluno e tirando excelentes notas, sendo que era um dos destaques na turma e recebia elogios de professores e colegas.
Sérgio sonhava ser médico quando crescesse, queria proporcionar à sua mãe uma vida de lordes, ele não suportava ter que ver dona Madalena limpar o chão das pessoas todos os dias para ganhar um salário mísero. Para tal, sabia que devia estudar bastante para concretizar o sonho de ser médico e galardoar a mãe com uma vida digna.
Fez a primeira até sétima classes sem ter reprovado, dedicava-se apenas aos estudos, alegrando intensamente a mãe, que o olhava com orgulho e admiração, por seguir em riste os seus conselhos.
Depois de ter concluído o ensino primário na escola primária Josina Machel, aos treze anos, Sérgio ingressa ao ensino secundário, frequentando a oitava, nona e décima classes na escola secundária de Macharote com muito êxito. Lá também marcou diferença na sala de aulas com outros colegas, sendo um dos melhores alunos com brilhantes notas. Todos o admiravam, professores e alunos reconheciam o potencial do menino Sérgio e diziam unanimemente que o menino teria um bom futuro. Era o orgulho da dona Madalena, que não se cansava de trabalhar para criar melhores condições para o filho, com vista a estudar tranquilamente, sem ter que passar fome, nem ter dificuldades de materiais escolares.
Aos dezasseis anos, Sérgio mudou-se para escola secundária de Mafambisse para frequentar a décima primeira e décima segunda classes porque na escola de Macharote a décima classe era o limite e já não se podia mais progredir.
No posto administrativo de Mafambisse, conheceu um jovem de nome Augusto, ambos frequentavam a mesma turma e desenvolveram uma amizade muito grande. Augusto, diferentemente de Sérgio, vinha de uma família bastante rica, o seu pai ocupava um cargo de relevância na empresa Açucareira de Mafambisse e era um senhor de muita posse. Não deixou nada faltar ao filho, dando-lhe todos os confortos e mimos da face da terra. O menino cresceu no berço de ouro, mas carregava consigo sinais comportamentais ruins: não respeitava os mais velhos, insultava os professores, roubava lápis, canetas, cadernos e mochilas dos seus colegas e por várias vezes metia-se em brigas.
O comportamento ruim que Augusto tinha no ensino primário transportou para o ensino médio, influenciando negativamente o seu colega Sérgio, que resistiu nos primeiros dias por causa da sua boa conduta, fruto dos ensinamentos da sua mãe. Mas a resistência às tentações do seu amigo durou pouco, os dois começaram a sabotar as aulas para consumirem álcool num dos bares perto da escola e saiam com frequência em tempos lectivos para um passeio na piscina ao lado da fábrica com algumas garotas da escola.
Sérgio já não se preocupava com as aulas, não revia a matéria e colocou o seu sonho de lado para viver aventuras com o seu amigo Augusto. Passou a frequentar casas nocturnas. Baladas, bebidas alcoólicas, garotas de programa e drogas pesadas já eram o seu mundo.
Como era de se esperar, essas atitudes repercutiram no seu aproveitamento pedagógico, que resultou num insucesso escolar, sendo que pela primeira vez na sua vida Sérgio reprovou a décima primeira classe, para a desilusão da dona Madalena ao saber que seu filho já não era mais o mesmo e que tinha más influências.
Como mãe que era, dona Madalena não cruzou os braços, continuou a envidar esforços no sentido de resgatar o filho aos bons costumes por ela ensinados, mas Sérgio foi persistente, continuou a pautar pelo mau comportamento, chegando ao ponto de desistir de estudar para passar a vida em festas, bares e prostíbulos na companhia do seu amigo Augusto, que roubava o dinheiro do pai para arcar com as despesas de suas aventuras.
Quando o senhor Marreta, pai do Augusto, descobriu que o filho abandonara a escola e que o roubava enormes somas de dinheiro para gastar em casas nocturnas com garotas de programa, imediatamente o expulsou de casa.
Sem ter onde morar, Augusto pediu auxílio do seu amigo para ambos morarem em casa da dona Madalena. Sérgio aceitou tal pedido sem o consentimento da mãe. Quando a dona Madalena regressava do trabalho, encontrou Augusto em sua casa com todas as trouxas. Não concordando com a sua estadia em sua casa e questionando Sérgio sobre o caso, mãe e filho entraram em querelas, algo que nunca antes acontecera. Foram palavrões que Sérgio proferiu contra sua mãe até chegar ao ponto de esbofeteá-la com muita força.
Sem rodeios e com o coração dolorido, dona Madalena expulsou o filho e o amigo da sua casa.
Os dois amigos já não tinham onde morar, nem dinheiro para sustentar os seus vícios. Foi dai que decidiram morar na rua, dormindo por baixo da ponte e assaltar residências de cidadãos de bem, que tudo fazem trabalhando arduamente para sustentar suas famílias com o pouco que ganham.
Por várias vezes conseguiram assaltar residências, levando consigo bens preciosos e objectos de alto valor, que por sua vez eram vendidos no mercado negro.
Com o dinheiro conseguido, os dois esbanjavam luxúria e conforto nas casas nocturnas relacionando-se com várias garotas de programa. Eram conhecidos como patrões das casas nocturnas, por cada casa onde passassem esbanjavam enormes somas de dinheiro.
Foram dois anos vivendo a assaltar casas de cidadãos comuns e casas de altas individualidades da cidade. Já eram famosos na praça, conhecidos por toda gente, mas faltavam provas para que a polícia pudesse prendê-los.
As pessoas andavam preocupadas e revoltadas porque já não podiam mais dormir em paz durante a noite temendo serem assaltados, dai que decidiram fazer a justiça pelas próprias mãos.
Era mais um dia de trabalho, Sérgio e Augusto decidiram assaltar a residência de uns jovens oriundos da cidade de Maputo, conhecidos como machanganas. Quando lá chegaram, como era de costume, arrombaram a janela e conseguiram entrar. Recolheram tudo o que era valioso e colocaram na sacola grande que traziam. Não sabiam que os machanganas já haviam despertado e accionado os vizinhos que estavam de prontidão do lado de fora com paus, ferros, pneus e gasolina aguardando com fúria a saída dos assaltantes.
Ao abandonarem a casa, a surpresa foi tão grande que não conseguiram meter-se em fuga. Estavam cercados de homens munidos de instrumentos. Foram capturados, espancados e colocados gasolina sobre os seus corpos para em seguida serem incendiados.
Sérgio e Augusto morreram linchados e os seus corpos foram jogados na rua das flores.
Apercebendo-se da situação, dona Madalena, mãe do Sérgio não resistiu de tanta dor no peito, a sua pressão subiu fora de medida e veio a falecer.
Glossário:
Machanganas - relativo aos changanas, povo habitante do sul de Moçambique.