Rumores

Na primeira cena do terceiro ato, o palco está vazio, exceto por uma cadeira de madeira de espaldar reto, à esquerda, ao lado da qual foi colocado um cabideiro de pé, onde vê-se pendurado um sobretudo marrom. É noite. Um facho de luz ilumina os dois objetos.

Armando está sentado na cadeira, óculos equilibrados no nariz, lendo um livro. Raimundo entra em cena.

- Olá, Armando.

O interpelado ergue os olhos do livro e ajeita os óculos.

- Pensei que todos já houvessem ido - comenta.

- Bem... eu voltei. Imaginei que talvez ainda estivesse por aqui.

E fazendo um gesto abrangendo o restante do palco vazio e às escuras:

- Já levaram tudo, praticamente. Quando você se for, virão recolher o restante.

Armando volta à sua leitura, sem lhe dar atenção. Raimundo insiste:

- Ouvi rumores de que você iria se aposentar...

Armando dá uma risadinha, sem tirar os olhos do livro.

- Rumores... - diz, com desprezo.

- Bem, acredito que não há outra alternativa, não é mesmo? Você não vai poder ficar aqui para sempre. Não há mais trabalho à fazer, sequer móveis.

A contragosto, Armando ergue o olhar do livro e encara Raimundo. Depois, devagar, fecha o livro, colocando um marcador na página que estava lendo.

- Eu não pretendo me aposentar, Raimundo - declara, enfaticamente.

- Todos têm que parar um dia - Raimundo parece estupefato com a resposta. - Não poderá trabalhar para sempre!

- Eu não vou parar - afirma Armando. - Oh, o serviço aqui terminou, é verdade. Mas eu não sou esse trabalho. Eu posso continuar, e é exatamente o que eu farei. Até o último dia da minha vida, precisamente. As pessoas acham que a morte ocorre quando você deixa de respirar ou seu coração para de bater... na verdade, ela vem muito antes disso. Você se aposenta e vai jogar damas na praça. Ou vai pescar todos os dias. Isso... isso é morte!

Ergue-se e coloca o livro sobre a cadeira.

- Eu não pretendo morrer desta morte, Raimundo.

Sai de cena.

O facho de luz se apaga, mergulhando o palco em completa escuridão.

- [29-07-2017]