Conto: "Negociata"

"Negociata"

Naquela tarde quente, típica de um verão escaldante do Pontal do Paranapanema, João Pula Cerca tomava uma cerveja gelada na mesa de canto em um bar na região central de Presidente Prudente, próximo ao terminal rodoviário. Parecia esperar alguém, pois o olhar vagava impaciente em direção à porta do boteco enquanto tragava um ou outro gole da bebida. O dono do estabelecimento sabia que havia visto aquele rosto barbudo em algum lugar, mas não se lembrava exatamente de onde. Observando o sujeito de canto de olho, enxugava os copos recém lavados com um pano de prato branco, já um pouco encardido.

Em frente à calçada, estava estacionado um carro popular vermelho, que continha na porta, um adesivo do MST, além do semblante sombrio de Che Guevara colado no vidro traseiro. O dono do bar associou o carro ao seu dono, e percebeu que naquela mesa, estava nada mais nada menos que um dos membros do alto escalão do principal movimento social agrário do país. Surpreendentemente, minutos depois, chegou um jovem de calça jeans, chapéu e bota, estacionando uma caminhonete usada, surrada pelo tempo e carecendo de uma boa lavagem automotiva. Tratava-se de Pedrinho Júnior, filho de um latifundiário falecido, cuja fazenda, era tão improdutiva quanto devoluta. Pensou que seu bar viraria um "saloon" de faroeste, onde duas figuras de diferentes interesses pudessem iniciar uma discussão, quiçá, uma luta corporal.

O jovem sentou-se na mesa do homem barbudo, abriu uma maleta cheia de dinheiro e iniciou um diálogo que o dono do bar fez questão de escutar disfarçadamente:

- Tá aqui sua parte da grana, dez por cento do que recebi com a desapropriação daquela fazenda maldita. Pode contar, tá tudo aí.

João Pula cerca coçou a barba, e iniciou uma contagem demorada, que pareceu ter chegado à cifra de meio milhão de reais.

- Bom trabalho, garoto! Não te disse que se eu enviasse meu exército vermelho à tua fazenda o Estado pressionaria a justiça para agilizar a desapropriação?

- É, mas a gente tinha combinado uma invasão pacífica, sem mortes...

- Aquilo foi uma desavença particular entre um dos meus camaradas e

teu capanga. Foi algo isolado, que talvez tenha dado ainda mais realismo ao circo que montamos...

- É, mas tá dando uma dor de cabeça danada....

- Não esquenta! A polícia vai fazer a parte dela, que é investigar, mas sabe como é... Quem vai se preocupar com as mortes de um jagunço estúpido e um sem-terras miserável?

- Bom, dane-se. O que importa é que eu finalmente vou sair desse lugar e vou curtir minha vida no litoral, torrando a grana da desapropriação. E você, o que vai fazer?

- Continuar com as invasões e propor mais negócios deste tipo aos donos de terras devolutas. Eles sabem que perderão as terras na justiça, e o circo que a gente arma traz rapidez no processo de desapropriação, beneficiando os dois lados de uma guerra forjada...

Levantaram-se, brindaram os copos de cerveja e pagaram a conta ao balconista, perplexo. A caminhonete saiu primeiro, e em seguida, o carro popular, com o semblante de Che Guevara parecendo caçoar do dono do bar, que ainda enxugava os copos com o pano branco, sutilmente encardido. Quando ligou a televisão do bar, o jornal regional noticiava mais uma invasão de terras no distante e pobre Pontal do Paranapanema...

* O Eldoradense