O NOVO PROFESSOR

Ao ouvir a sirene, ele apressou o passo e resoluto adentrou à sala de aula, batendo estrepitosamente a porta. Era o primeiro dia de um novo ano letivo. Surpresos, os alunos silenciaram e todos se voltaram para o jovem Professor. Imperturbável, o mestre ajeitou seus pertences, olhando desafiadoramente para a classe, sem se fixar em nenhum aluno. Num gesto brusco pegou o giz e escreveu na lousa:

VOCÊS PENSAM QUE ESTÃO CERTOS? Pois eu afirmo que o CERTO NÃO EXISTE !!!!!

Diante dos olhares estupefatos, desceu do tablado e encarou um aluno que o olhava desconfiado, mais deitado do que sentado na cadeira.

-“Diga você, revolucionário de merda, qual é a sua verdade? Esse seu estilo duvidoso, está fora de moda, hoje só é disseminado pelos idiotas seguidores do sanguinário Che Guevara!”

-“ Qualé, “profissa”, nem me conhece e vem me atacar...” Balbuciou – sem convicção – o jovem tido como alienado e contestador.

-“Então seja homem, reaja e me diga: Qual é a sua?” Inquiriu o mestre.

-“Eu tô na minha, Meu... Sacumé, eu existo e curto o momento, a parada da vez é que me importa. A minha é viver e deixar viver. Tô naquela de Paz & Amor.” Discursou o aluno.

Diante do ar de aprovação do professor, tomou coragem e continuou, inflamado:

-“ E é claro, me ligo em contestar a porra do Sistema Vigente, o Poder Constituído por esses políticos incompetentes e corruptos .” Arrematou o aluno

-“Beleza, Amizade! Falo e disse!” Respondeu o professor, aplaudindo-o e desarmando os ânimos. Alguns alunos o seguiram, aplaudindo timidamente.

-“Qual é o seu nome?”

-“Thiago.”

-“Parabéns, Thiago, você é porreta, está certo. Sabe das coisas.” Adulou o professor, olhando-o firmemente. O jovem de imediato sorriu, embevecido. Pensou “Esse professor é dos bons.”

Olhando para o meio da classe, o professor constatou que agora todos os alunos se mostravam muito interessados no assunto, como há muito não demonstravam nas aulas de outros professores. E teatralmente o professor lançou:

-“A verdade está no erro, no desacerto, na dúvida. Sabedoria é saber que nada sabemos. Os ignorantes, com jactância, pensam que sabem tudo. Ledo engano.”

-“Socrates já dizia que “Só sei que nada sei” e com isso expressava a necessidade de estarmos sempre buscando aprender mais e mais...” E afirmava sem medo de ser criticado:

O professor abre o livro que tem nas mãos e começa a ler, em voz alta:

<<-“Aquele homem acredita estar certo por saber alguma coisa, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber”

A imprecisão da paráfrase como “só sei que nada sei' deriva do fato de o autor não estar a dizer que ele nada sabe, mas sim que não pode saber nada com absoluta certeza, mas pode se sentir confiante acerca de certas coisas.

O dizer também está relacionado com a resposta que se supõe Sócrates ter recebido da sacerdotisa (pítia), no Oráculo de Delfos, em resposta à questão "que é o homem mais sábio da Grécia?".

A frase, apesar de frequentemente atribuída ao Sócrates de Platão, nos tempos antigos e modernos, não ocorre tal como ela é em nenhuma das obras de Platão.

Dois proeminentes académicos estudiosos de Platão argumentaram recentemente que a frase não deve ser atribuída ao Sócrates de Platão.>>

Fechando o livro estrepitosamente, o professor olha desafiador para os alunos:

-“E por falar em ignorância, ignorar não é pejorativo, é apenas “não saber”. E eu lhes pergunto, à queima roupa: “ - O que significa JACTAR? Jactância. O que é? Quem dentre vocês pode me dizer?” Pergunta apontando para uma bela loira no fundo sala.

”Ei você, não vale acessar o Google no seu belo e utilíssimo smartphone!” A maioria riu, mas cada um olhava para o outro, esperando alguém se manifestar.

Uma aluna lá na frente, timidamente, ergue o braço e arrisca, trêmula:

-“Algo como arrogância, orgulho...”

-“Precisamente!!! Parabéns, minha jovem!” Aplaudiu o professor, seguido por outros alunos. Os mais próximos até tocaram amistosamente a garota, que corou. Não estava acostumada com reconhecimentos, muito menos em público. Um dos alunos se encantou, pela primeira vez, com aquela menina magrinha, discreta, que não ostentava o próprio corpo como um troféu a ser rifado, cada dia para um colega diferente. Estendeu a mão e carinhosamente afagou seu braço, dizendo baixinho: -“Você está linda...” A adolescente sorriu, embevecida, sentindo-se bem, um calor vindo do estômago e irradiando por todo o corpo. Respirou fundo, fechou os olhos e suspirou, prazerosamente. O professor percebeu o clima e não deixou a peteca cair, dirigindo-se rapidamente para a porta da sala, atraindo assim a atenção de todos para si, de forma que os dois jovens atingidos de supetão por Cupido pudessem se entender, com ternos olhares.

-“Podemos parar agora ou querem que eu continue?” Perguntou o professor, o corpo voltado para a porta, a mão na maçaneta e apenas o rosto voltado para a classe.

-“Continua, professor! Fique!” Bradou a maioria.

Mal o professor se direciona para sua mesa, a porta se abre e entram algumas pessoas, sisudas, carrancudas, olhando ferozmente para o professor e para os surpresos alunos.

-“Queira nos acompanhar, por favor. Não resista, a Polícia já foi chamada. Será pior para o senhor, caso resistir.” Quem falou duramente foi o temível Reitor Jonas Tibério Jacutinga, apelidado de Linha Dura pelos alunos veteranos. Militar da Reserva, ao se aposentar como coronel no Exército cursara Direito e Pedagogia. Graças ao bom relacionamento com os comandantes da Gloriosa e Redentora revolução de 1964, obtivera facilmente a nomeação para a Reitoria, há mais de 25 anos. Ninguém conseguia derrubar a fera. Obviamente tinha seus méritos. Sob seu comando a Faculdade ampliou o leque de cursos e tornou-se referência nacional, pela qualidade do ensino, consolidando a entidade municipal no cenário nacional. Alunos vinham de países vizinhos para concorrer em disputados vestibulares e poder ali fazer a matrícula. Os pais dos alunos reconheciam sua capacidade, dedicação e em especial a honestidade com que exercia seu honroso cargo.

O “Professor” calmamente disse:

-“Permita-me ao menos me apresentar à distinta e seleta classe. Eu me chamo José da Silva, hoje sou Motorista de Uber. Antes eu era metalúrgico. A empresa faliu, devido desacertos da política federal. Acabo de concluir o Supletivo e passei no Vestibular. Hoje vim até esta prestigiada Faculdade para conhecer suas belas e inspiradoras instalações. Parabéns, senhor reitor, parabéns ao corpo diretivo e aos alunos aqui presentes.”

E indicando a porta, adiantou-se e convidou a trupe diretiva a se retirar:

-“Senhores, tenham a bondade...”

Acenou alegremente para a classe e saiu sorrindo, satisfeito, muito satisfeito.

(*) Juares de Marcos Jardim - Santo André - São Paulo.

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Juares de Marcos Jardim
Enviado por Juares de Marcos Jardim em 26/07/2017
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