FILHO NATIVO
Nasci de pai ignorado e mãe fecunda. Mas não suporto a ser um bom
"filho da puta". O nome é pesado e fácil de dizer, o difícil é não saber quem foi o verdadeiro pai. Cresci no cortiço, entre prostituta, cafetão e homossexual.
Fugi dali, cansado de tapas na cabeça, empurrões, xingamentos. Menino de recado e faz de tudo. Comecei muito cedo o que é a rua, a escola do bem e do mal, refúgio dos desesperados, casa sem teto, onde se esbarram germes vis em almas santas em busca de objetivos certo ou errado. Na ansiedade de ter o que comer e manter o vício das drogas. O viciado faz de tudo para atender as necessidades. Não me envolvi com essas pessoas mas observava o viver. Comecei a vender jornais e nas horas vagas era "flanelinha" nas paradas dos carros, nem sempre recebia algum trocado,geralmente o carro já ia longe ou "sai da frente, pivete". De mão em mão passei os jornais. Ler eu não sabia, contar só com os dedos. Pedi a um senhor para ler o que dizia e a voz sorrindo foi falando o que ouvia":
"Mais uma mariposa que da terra se sumia o ciúme de Tonico era caso
que dizia; bebidas, mulheres e jogo era tudo que queria. Não querendo mais ouvir a companheira meteu-lhe a faca no coração e faz a morte acontecer." Olhei para o jornal que o senhor lia e vi o rosto da minha crioula mãe, o fato muito a me doía. Arranquei o jornal das mãos e pus-me então a correr para onde não sabia. Até que entrei no casarão velho
em ruínas e fui ao telhado romper meus prantos da perda de minha mãe
que tão pouco eu sabia. Resolvi ir ao cortiço, lá estava o mesmo quarto, fui reconhecido entre risos e gargalhadas, deparei com o quarto que eu morava com a minha mãe. Vazio, sem nada para recordar. A dona do cortiço, disse-me: " Levaram tudo" e passou a mão na minha cabeça.
Dei meia volta no corpo para sair do triste lugar. Toquei a vida em
vendas de jornais. Fui levado para uma casa de Custódia de Menores de Rua, lá eu tinha educação, fui alfabetizado, tive a primeira casa como moradia, quarto com camas e colchão para mais três meninos, refeições e trabalho na horta comunitária. Aos dezesseis anos encaminhado para trabalhar fora e novos caminhos foram abertos com meus passos firmes e convicto no objetivo em dias melhores. Minha história pode ser igual a outras com final diferente ou a maioria que termina na marginalização prematura com muitos jovens mortos em confronto com policiais ou seus comparsas. O vício das drogas está tirando e muito os jovens dos seus familiares ou convivendo com a nova praga com a família. Para não
ser igual tive a coragem e força para manter o pensamento livre do contágio e sempre em fuga.
Sou filho da Pátria criou-me sem pais, sem sobrenome verdadeiro na imposição do registro, seguindo a estatística popular, sou pessoa física.
Isso não muda a raiz do sentimento.
Há um adágio popular que diz: "Trazes a verdade, o colorido fixo, a essência pura, a beleza imaculada."
Batacoto.