Conto das terças-feiras - Um empurrãozinho do além?

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, 25 de julho de 2017

Martha e Haroldo se conheceram pela internet. Ela amante de poesias e ele um poeta sofrido. Suas poesias transmitiam insegurança e sofrimento. Em uma delas ela leu:

“Todos vão embora de mim!

Será minha, a culpa?

Não sei, estou me perdendo.

A todos, peço desculpa.”

A iniciativa foi dela, pela aproximação. Viu os poemas dele em um blog e resolveu caçá-lo. O primeiro encontro foi marcado para um sábado à noite, em um bar boêmio da cidade. Ela queria agradar o poeta amigo.

Ele, tímido, se apresentaria vestido com calça jeans azul e camisa polo, preta. Estaria no bar exatamente às vinte horas. Sua sempre pontualidade, o faria sair de casa duas horas antes do marcado. Nos seus vinte e quatro anos de vida, era a primeira vez que iria a um bar para conversar com uma garota. Sua timidez sempre o deixava nervoso quando se preparava para um encontro. Qual roupa vestir? Na cama, espalhara mais de três pares de calças e uma dezena de camisas. Foi difícil escolher, optou pela mais discreta. Selecionou o perfume, o mais suave, para não a repugnar, não conhecia seus gostos.

Ela não teve problema com a vestimenta que iria usar. Separou um vestido despojado, simples, para não o ofender, não o agredir, não o embaraçar. Ele sempre deixara, em seus longos bate-papos via chat, suas dificuldades com relacionamentos, principalmente com pessoas que pouco conhecia. Calçou sandália em couro preto, com salto bloco médio, discreta, mas elegante. Ela desconhecia a altura de Haroldo. A dela ele sabia.

Martha estava tranquila, nos seus vinte e oito anos de idade, médica, detinha desenvoltura para entrar e sair de qualquer lugar. Gostava de conhecer gente e forçava esse seu comportamento. Não era leviana, pelo contrário, era bastante centrada. Ao avistar aquele rapaz, de calça jeans azul e camisa polo, preta, que acabara de olhar para ela e abrir um sorriso contido, Martha respondeu ao sorriso e se dirigiu à mesa próxima ao canto esquerdo do balcão do bar. Parecia que ele estava se escondendo, embora isso fosse impossível, o ambiente era totalmente franqueado à vista.

A garota deu boa noite e fez gesto para sentar-se. Haroldo mais que depressa levantou-se, puxou a cadeira e a ofereceu. Em seguida, já sentado em sua cadeira, ele respondeu ao boa noite dela. Eram as primeiras palavras que trocavam, presencialmente. A partir daí, conversaram até as três horas da madrugada, quando o pessoal do bar iniciou os preparos para fechar o estabelecimento. Só estavam ali três casais, dois em plena troca de carícias, e eles, só conversando.

— Você veio dirigindo? Perguntou Haroldo, timidamente.

— De uber, respondeu ela, secamente.

— Eu posso deixá-la em casa, disse Haroldo, bem baixinho.

Ela não entendeu e ele falou mais alto. Ela acenou com a cabeça, concordando. Ambos se dirigiram ao carro dele e tomaram o rumo da casa dela. Nenhum dos dois falou nada durante o trajeto. Só quando chegaram ao destino apontado por ela, ele se manifestou, perguntando se poderiam se encontrar outras vezes. Trocaram número de celulares e se despediram com um tchau.

Ela desceu do carro e se dirigiu à portaria do seu condomínio. Chegou em casa e, cansada, se preparou para dormir. Já deitada, tentou recordar tudo sobre aquele encontro. Tirou poucas conclusões, mas, o que mais lhe impressionou foi a delicadeza e a educação de Haroldo. Sua conversa segura e apaixonante, seus conhecimentos sobre a natureza humana. Só não gostou do seu pessimismo quanto à vida, a necessidade de viver das aparências, pois seus pais eram ricos e viviam nas rodas da alta sociedade, coisa fútil para ele.

Mais cinco encontros eles tiveram, cinco sábados. As conversas eram sempre as mesmas, ele procurando sentido para a vida e ela não querendo perder de vista aquela figura tão interessante e, ao mesmo tempo, fastidioso. Algumas vezes eles sorriam bastante, principalmente das besteiras que ela falava, das provocações sobre a vida dele, que ela acabava transformando em piada. Ela sentia que a cada dia, ele ficava mais desinibido na frente dela. Ela gostava disso, estava quebrando a resistência que ele impusera nos dois primeiros encontros.

O último e quinto encontro ele informou que iria viajar. Ele veio acompanhado de um irmão, dois anos mais velho, e também bastante agradável. Conversaram à noite e na madrugada a dentro. Ela e o irmão pareciam que se divertiam mais que o Haroldo. Não que este não participasse do papo animado daquela noite. É que, em alguns momentos, ele se calava, se trancava, para, rapidamente voltar do mundo da lua, para o qual viajara. Os outros dois nem percebiam, tal a atmosfera que os envolvia.

Fechado o bar, todos voltaram para casa, ela primeiro, pois os dois irmãos foram deixá-la em casa. A despedida foi marcada com mais uma previsão de encontro no próximo sábado, e no mesmo bat-bar e bat-horário. Mas, no outro sábado, Haroldo não apareceu. Ela lembrou que ele dissera que iria viajar. Passadas três semanas ela procurou falar com ele e não conseguiu. Lembrou-se que tinha anotado o celular do irmão, telefonou e a voz que atendeu pediu para ela ligar outro dia. No sábado ela ligou para Haroldo e uma voz eletrônica informava que aquele número não existia. Inconformada ela ligou para o irmão e ambos marcaram um encontro para esclarecer o que estava ocorrendo.

No local marcado e sentados em uma mesa deslocada das demais, Martha pressentiu que algo ruim tinha acontecido. O semblante de Hélio, o irmão, demonstrava tristeza e preocupação. A garota foi com cuidado e perguntou:

— E o Haroldo, o que é feito dele?

De cabeça baixa, Hélio começou a falar:

— Haroldo já não se encontra entre nós, ele suicidou-se, não suportou a separação de nossos pais. Ele era muito frágil, tinha crise de depressão quase todos os meses, ultimamente ele vinha se recuperando mais rapidamente, por sua causa. Mas não teve força para encarar essa mudança inesperada. Ele isolou-se de nós por alguns dias e, acho eu, que não viu mais motivo para continuar vivendo. Isso aconteceu há cinco dias, exatamente naquele dia que você telefonou para mim. Não falei naquela hora porque não tinha cabeça para conversar com você. Despediram-se e seguiram calados para a saída do bar.

Um mês depois, Hélio ligou para Martha, convidando-a para saírem e conversarem. Saíram muitas vezes depois disso, quando em uma dessas vezes ele a pediu em namoro. Assustada ela disse que iria pensar, depois responderia. Embora não tivesse, verdadeiramente, namorado com Haroldo, ela pensava que isso não seria correto, ele agora estava morto e ela deveria respeitar esta condição. Foi consultar uma vidente, que se dizia falar com os espíritos.

— Menina, falou a vidente, isso não tem nada a ver. Ele já não se encontra nesse mundo, está em outro mundo e de lá não vai sair tão cedo. Se você gosta do irmão dele, e ele de você, vá em frente. Quem sabe, se isso não é um empurrãozinho do falecido, que quer ver você feliz.

Martha pegou seu celular e ligou para o Hélio, marcando um encontro, mostrando-se toda feliz por saber que o falecido Haroldo estava desejando a sua felicidade.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 25/07/2017
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