Conto das terças-feiras - Zé pau de galinhas
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 18 de julho de 2017
José da Silva Moreira, vulgarmente chamado de Zé pau de galinhas, senhor com pouco mais de quarenta anos, todos as manhãs, precisamente às sete horas, passava em nossa rua carregando algumas galinhas penduradas pelas pernas, em uma vara (pau), a qual ele a equilibrava em seu ombro, hora no esquerdo, hora no direito.
Zé pau de galinhas era conhecido por toda a vizinhança, principalmente pelas crianças, que já acordadas e se preparando para irem à escola, ficavam à sua espera para gritarem:
— Seu Zé pau de galinhas, mamãe quer uma galinha, das pintadas!
Seu Zé gostava de falar para as freguesas sobre as galinhas que carregava nos ombros. Dizia que elas estavam pesando, que eram bem alimentadas e cuidadas. Pedia para as madames comprarem logo, pois ele estava cansado e queria ir para casa. Ninguém sabia onde ele morava, só sabiam que era longe, era o que ele dizia.
Em média, ele levava de vinte a trinta, bem tratadas galinhas. Quando alguma freguesa pechinchava no preço, ele argumentava que não era possível, pois o milho estava pela hora da morte. Que ele precisava tirar algum ganho e levar para a sua “muié” comprar comida para os “bruguelos”, em número de seis. Muitas das madames, com dó das crianças, davam roupas usadas de seus filhos, para os “bruguelos” do seu Zé pau das galinhas. Ele era uma figura conhecida e muito respeitada no bairro, principalmente pela capacidade de trabalho e dedicação à família.
Naquela época, décadas de 1950 e 1960, quase todas as famílias de Fortaleza moravam em casas com quintal. Muitas dessas criavam galinhas, como complementação à ração nutricional de seus membros. Essas penosas eram muito cobiçadas, pelos amigos do alheio. Quando alguém era apanhado com a mão na boca da botija , os jornais locais davam destaque, já que era muito baixa a taxa de criminalidade na cidade, onde vivia o Seu Zé pau de galinha.
Uma dessas casas premiadas com esse tipo de crime foi a nossa. Certa noite, meu pai percebeu movimento estranho no seu quintal. Devidamente armado, para a sua defesa, ele foi ver do que se tratava. Não tínhamos galinhas, somente o nosso vizinho criava esses animais da família Phasianidae e de nome científico pomposo, Gallus gallus domesticus.
A criatura responsável pela agitação das galinhas do vizinho estava escondida em nosso quintal, pois o seu intento foi abortado pelo cacarejar das galinhas alheias, fazendo-o saltar para o nosso quintal. Meu pai não sabia que o meliante se encontrava entre as colunas que sustentavam a caixa-d’água de nossa casa. Ao perceber que não havia ninguém, meu pai pensava isso, ele deu meia volta e se dirigiu para a porta que dava acesso à cozinha de nossa casa.
Aproveitando essa distração de meu pai, o homem saiu de seu esconderijo e tentou alcançar o muro da outra casa vizinha, onde ele sabia que não havia ninguém morando. Meu pai, muito rapidamente, atirou na direção do fugitivo. Como estava escuro, o tiro foi só para assustá-lo. Cautelosamente, meu pai olhou para o quintal onde o meliante pulou e não havia vivalma.
Não mais preocupados, todos fomos dormir. Na manhã seguinte, o Seu Zé pau de galinhas não apareceu. Muitos ficaram preocupados, pois era sábado e era costume o almoço familiar ser macarronada com galinha assada.
Na manhã da segunda-feira, ninguém mais falava da tentativa de roubo das galinhas do senhor Marcondes, nosso vizinho. Meu pai foi trabalhar e na parada de ônibus encontrou um amigo que era delegado de polícia. O assunto da tentativa de roubo em nossa rua foi o assunto entre eles. Depois de ouvir, atentamente, todo o relato, até mesmo da fuga e o tiro dado por meu pai, o delegado perguntou se os dois poderiam ir até à delegacia, pois havia a informação de que um sujeito deu entrada no hospital municipal, com ferimento de bala. Sua história era que ele tinha sido baleado quando passava, à noite, em uma rua do bairro. Não foi possível identificar o agressor, porque estava escuro.
Meu pai aceitou o convite do delegado e foram ambos até à delegacia. Lá ele tomou conhecimento do boletim de ocorrência, formulado por um policial que dava plantão no hospital, para esses casos. Ao ler o nome do acidentado verificou tratar-se de José da Silva Moreira, o Seu Zé pau de galinhas. Meu pai sorriu e falou para o delegado que não gostaria de ir ao hospital, verificar se era a mesma pessoa que havia invadido nossos quintais. Ele ficou sabendo que o ladrão de galinha não corria perigo de morte, por causa de um ferimento à bala, na região glútea.
Seu Zé pau de galinha nunca mais apareceu em nosso bairro, para vender as suas gordas e bem-criadas galinhas.