Guarda Ubaldo
Ubaldo nasceu em Maiquiniqui,cidade pequena do recôncavo baiano. Tinha epenas oito anos quando se mudou pra Salvador, onde uma semana depois perderia seu pai, vítima de bandidos que tentaram roubar, em vão, o pouco de dinheiro que carregava. Essa situação o forçou a ter uma postura afetada e dissimulada diante dos problemas. Precisou mostrar sempre uma força que definitivamente não tinha. Era o mais velho de um total de oito irmãos e sempre teve que manter uma aparência de homem forte, que trazia dentro de si uma força capaz de guiar o restante da família.
Mas, no íntimo, Ubaldo se sentia vunerável e fragilizado. Não queria ter tanta responsabilidade em tão pouca idade. Às vezes, bem baixinho e com vergonha de ser visto, chorava e se perguntava porque não podia apenas brincar como as outras crianças. Os dias andavam lentamente, pelo menos era assim que Ubaldo sentia passar seu tempo.
Engraxava sapatos na rodoviária pela manhã, mais tarde fazia carretos no seu carrinho de madeira. De certa forma isso o distraia por longas horas até chegar em casa e dar de frente com a realidade triste que sua mãe e seus irmãos viviam.
Ele era muito bem visto por todos: vizinhos, amigos, pela mãe. Um certo orgulho lhe enchia o peito quando isso ficava evidente. Isso, talvez, lhe desse força pra continuar.
Em muitos momentos, sem entender procurava estimular essa percepção que tinham dele. Estranho, mas compreensível porque Ubaldo não tinha alternativa “– Preciso aprender a aceitar o que vida fez comigo.” Pensava.
Essa aceitação foi acontecendo e, aos poucos passou a fazer parte da personalidade de Ubaldo. Pra ele, era como uma sina, um destino que não dependia dele, mas da providência. Ele era um provedor. Uma autoridade para sua família.
Quando tinha dezesseis anos passou a freqüentar uma escola de alfabetização. Era esforçado. Fazia as lições e perguntava ao professor diversas vezes a mesma coisa. Riam dele, zombavam dele. Mas ele não ligava, queria ser alguém, talvez um Doutor. Sonhava muitas vezes antes de dormir.
Apesar da escola, a rotina de Ubaldo era a mesma, muito trabalho e muita responsabilidade. Isso já não o afligia, aprendeu a aceitar o desígnio de Deus. Passou a andar com livros de cordel pelas mãos. Lia em voz alta. E orgulhava de saber ler, mesmo que pausadamente aqueles textos tão bonitos, que sempre rimava com muita graça e criatividade. Ubaldo até tentava escrever alguns versos, mas era em vão “ isso é coisa de gente muito sabida”.
Ubaldo era um homem muito calmo. Um homem bom e comedido, freqüentava a igreja. Aprendeu a ser católico com o amigo João das Cabaças. Foi lá que conheceu Gracinha, amiga de infância de João. Conquistou-a com uma carta de amor, cheia de versos copiados dos livros que liam. Mesmos sem entender nada acabaria casando com ele numa festa que seria a sensação do bairro. Até churrasco teve.
Ubaldo já não precisava alimentar a família. A mãe, já velha, morreu no ano passado. Estava feliz. Criou todos os filhos. Todos trabalhadores, com exceção de Aninha, que casou com um aproveitador, pelo menos o povo falava. Mas isso não importava pra ninguém, porque ela nunca foi tão feliz.
Assim, com tanta coisa boa acontecendo, a felicidade tomava densidade na vida de Ubaldo, principalmente com o almejado emprego na prefeitura. O Sr. Arnaldo, chefe da Guarda Municipal o reconheceu numa fila de emprego. Há muitos anos o Sr. Arnaldo usara os préstimos de Ubaldo. Pensava num jeito de ajudar aquele garoto. “Que sorte!!! Por isso que é bom ajudar os outros, lembro que muitas vezes não combrava pelo serviços” – dizia Ubaldo a todos que pergunta sobre como conseguiu o emprego. Era mentira, ele sempre cobrava. A grande verdade é que todos sentiam vontade de ajudar aquele garoto que foi um pouco preservado na figura do hoje adulto Ubaldo.