Contos futebolísticos

Em geral, quase todos os brasileiros tem uma verdadeira paixão pelo esporte, principalmente o futebol, eu não poderia deixar de afirmar que também faço parte dessa estatística. Como escritor, tenho que confessar que sempre quis ser um crítico esportivo numa dessas revistas do gênero. E este foi um dos motivos que me inspiraram a fazer este conto.

BRASIL E ARGENTINA

Na cidade onde cresci havia o Hospital das Forças Armadas e, por se tratar da Capital Federal, haviam supermercados estatais: a SAB de responsabilidade do DF e a Cobal da esfera federal. Próximo a esse hospital havia um desses mercados, este da Cobal e, bem ao seu lado havia um campo de areia, onde a molecada jogava peladas e campeonatos.

Um dia eu vinha saindo da portaria do prédio em que eu morava, indo em direção à quadra de cima, pois, era lá que a rapaziada se encontrava. Foi então que eu avistei meu amigo Palito, o Gugu. É porque o cara era tão magro que parecia uma rabiola de pipa. Morávamos na mesma quadra, porém,como eu, Gugu frequentava a de cima.

_ E aí Palito, chassi de brabuleta! Beleza meu camarada? Aonde é que tu vai nessa carreira toda?

_ Em primeiro lugar, Chassi de brabuleta é a comadre da sua madrinha.

_ Ah qualé? Um apelido tão carinhoso.

_ Carinhoso vai ser o bandão que eu vou te dar. E aí Tatu, comequié, beleza?

Tatu Peba foi o apelido a mim contemplado no dia em que tive de tirar o meu "Conga" na aula de Educação Física e a carniça do meu pé quase levou a turma para a enfermaria da Escola 04 e substancialmente corroborado quando um dia fui "Ganho" na Blitz do piolho; tive de levar uma solicitação para que minha mãe comparecesse na escola e quase morri de vergonha. À noite eu estava com a cabeça cheia de "Neocid" e um lenço de cigano parecendo o Axel Rose. No dia seguinte ao ocorrido era carniça pra cá, carniça pra lá até encontrarem o meu "animal totêmico". Que animal gostaria de carniça? Urubu, mas urubu não combinava, já que eu era muito branco pra ser preto e muito gordo pra voar. Ai sim...Fedorento que nem o tatu peba e redondo que nem o tatu bola. Ali nascia um mito... Tatu Peba, o garoto propaganda da Conga e seu chulé atômico. Mas, voltando ao assunto...

_ Tô indo lá na Cobal pra comprar umas paradas pra minha coroa; bora lá?

_ Bora!

Na caminhada iniciamos uma boa prosa:

_ Carai véi, tu ouviu falar nessa parada que a Inglaterra tá querendo invadir a Argentina?

_ Não, mas por conta de que a Inglaterra ia querer invadir a Argentina?

_ Parece que é por causa de umas ilhas aí.

_ Oche, e o que a gente tem a ver com isso?

_ Sei lá meu, a Argentina fica bem aqui do lado. Pode até sobrar pra gente.

_ Será?

_ Sei não, mas acho que essa tal de Margarete não tá de brincadeira não.

_ Oche, e o que a Margarete tem a ver com a porra da Inglaterra e a Argentina?

_ Ah não fode Tatu! Tu não assiste TV não? Aliás, tu só assiste Speed Racer... Tu não sabe que essa Margarete sei lá das quantas é quem manda na Inglaterra?

_ Ah só, pior que é! E por falar nisso, tu assistiu ontem? Teve o episódio do Mamute; um caminhão de ouro que derrete na corrida e que tinha um cara que tocava pra caralho chamado Cabala de Catequeteque

_ Que porra de Mamute? Eu tô falando da Inglaterra e tu vem com esse papo de Mamute.

_ Oche, tu não falou que eu só assisto Speed Racer?

_ Porra Tatu, tu não sabe de porra nenhuma mesmo!

_ Vô saber, a única Margarete que eu conheço é a mina do Roliço.

Aliás, tem a Margarete que é irmã da Bete que mora na 407. E por falar nisso Palitete, quer me pagar um boquete?

_ Tatuzete, por que você não vai tomar no cuzete?

_ Carai véi, essa dona deve ser uma tremenda mulher hein?

_ É, dizem que o pessoal chama ela de Dama de Ferro.

_ Ah agora é que eu entendi. Ela é mulher do Tony.

_ Que Tony?

_ O Tony Stark.

_ Que diabo é Toni Stark Tatu?

_ Ué, o Homem de Ferro; tu não falou que ela é a Mulher de Ferro? Até parece que tu não assiste televisão.

_ Tatu, às vezes eu acho que tu tá tirando sarro com a cara da gente.

_ Oche, e eu posso saber por quê?

_ Não é possível que exista no mundo uma pessoa tão xarope que nem tu.

_ Você é que não tá nem aí pro que os outros pensam.

_ Oche, e quem disse que tu pensa?

_ Peraí, nós tamo falando da Argentina ou da minha capacidade pensal?

_ E que diacho é pensal Tatu?

_ Uai, minha capacidade de pensar ora!

_ Já vi que o seu caso tá perdido mesmo Tatu. Só Jesus na tua causa!

_ Oche e tu virou crente agora?

_ Virei, e tô crente que vou te dar uma bifa na tua fuça se tu não parar de falar potoca.

_ Sim, mas termina o que tu tava falando!

_ Cassete véi, a Inglaterra vai atropelar a Argentina.

_ Ôo coisa pouca!

_ Tem razão, eu quero é ver o oco! Uma vez meu coroa disse que na Argentina tinha um tal de Peron...

_ Peronca, por que, o cara escorregava no quiabo alheio?

_ Tô falando sério, esse filha da puta apoiava o Hitler na Segunda Guerra e que até hoje tem nazistas vivendo numa boa na Argentina.

_ Dane-se a Argentina! Se a Argentina acabar, quem sabe vai ser até bom pra gente; quem sabe o Mário Kemps, o Tarantini, o Passarela passem a reforçar nossa Seleção. O Fillol já tá no Flamengo mesmo.

_ Carai véi, eu não tinha pensado nisso antes. Mas eles também não são de porra nenhuma não. Todo mundo sabe que foi o Peru que entregou o ouro pro bandido.

_ É mesmo, deixa esses caras pra lá mesmo.

_ Afinal se não tivesse a Argentina Palito, quem seria nosso rival pra gente zoar?

_ Pior que é Tatu; o que seria do Vasco se não se não fosse o Flamengo, do Gêmio sem o Inter ou do Galo sem o Cruzeiro?

_ É isso aí Palitex, sempre tem de existir um rival senão não tem graça.

_ Oche Tatu, e tu lá entende de futebol por acaso?

_ Porra nenhuma Palito, tu tá e despeitado por que meu Flusão ganhou do seu time. Até hoje o Mazaropi tá procurando aquela bola que o Edinho mandou na gaveta.

_ Porra Tatu, nós tamo falando de quê, de guerra ou de futebol?

_ Tamo falando que o Flusão é mais uma vez campeão ha ha.

_ Nada a ver meu chapa, a gente tava falando que se não existisse a Argentina; quem seria o nosso rival?

_ É mesmo, se for para o bem do futebol e a felicidade da nação... "Viva a Argentina!!!"

_ E tem mais Tatu, com esse time que a gente tem hoje, ninguém vai ganhar da gente.

_ Pode crer véi! Com Zico, Sócrates,Falcão Cerezo...Quem precisa desses caras?

Alguns meses depois só veio a manchete:"Uma espingarda Rossi derrubou vinte e dois canarinhos com apenas três tiros". Referindo-se a derrota da seleção Brasileira para a Itália com três gols de Paolo Rossi.

_ Ii, oh lá Palito quem vem ali! O Tonto.

_ Antoooniiiiuuus!!! E ai meu camarada, Beleza?

_ Beleza porra nenhuma; tô numa ressaca do caralho, acabei de chamar o "Raul" ( vomitar) e acho que só fumando unzinho pra eu melhorar dessa rebordosa. Cadê o bom?

_ Xiii Tonto, tá maus!

_ Eita porra! Eu tenho uma intera. Tenho dez mil! Cês têm alguma merreca aí?

_ Nós tamo indo lá na Cobal pra eu comprar umas paradas pra minha mãe e na volta eu vou manguear uma grana dela.

_ E tu Tatu?

_ Tô maus! Depois do flaflu que meu coroa me deu no Pithon matando aula ele não tá liberando porra nenhuma pra mim.

Meu pai havia me flagrado no Parque Pithon, hoje Parque da cidade, matando aula; ele me deu o maior esporro e só não me bateu porque ele tava tão puto que se me pega de pancada, iria me quebrar todo.

_ Oche e a tua coroa?

_ Minha coroa é outra que tá puta comigo. Sabe aquele "Bamba branco zerado" que eu ganhei; fui inventar de lavar ele e enchi de Q Boa: O bicho ficou branquinho, mas quando eu fui calçar, não sei como ele se desmanchou todo. o tecido ficou que nem papel e quando eu fui amarrar os cadarços, eles se soltaram com aqueles negocinhos de metal que soltaram do tênis. Minha mãe me perguntou do "Bamba"; tentei disfarçar o máximo, mas acabei abrindo o jogo e ela ficou muito injuriada. Agora eu tô queimado com os dois. Domingo vou até vender uns "Correio Braziliense" pra levantar uma grana.

Naquela época a galera se adiantava vendendo jornais ou lavando o carro de algum vizinho quando a coisa apertava.

_ É Tatu, tu tá pebado mesmo! Não nega seu apelido ser Tatu peba.

_ Mas vamo ver o que a gente pode descolar então! Bora lá na Cobal?

_ Bora!

_ Mas aonde a gente vai descolar essa parada?

_ Oche, o Macaco não tem?

_ É, mas ele só tem aquela porra de "Cabelo de Creuza".

Cabelo de Creuza foi um bagulho cheio de fiapo que tinha um fedor de amônia lascado e de baixo teor.

_ Caralho, ainda tem desse palhão na área? Aquela porra só da "Larica"! (fome)

_ Pior que é; outro dia eu cheguei em casa e minha velha ficou espantada com o panelão de mexido que eu comi.

"_ Paulinho, tu vai comer isso tudo?! Tu não tem uma lombriga, tu tem é uma sucuri!"

_ É por isso que esse bagulho encalhou!

O CAMPINHO DA COBAL

E fomos felizes rumo à Cobal. Hoje é o Supermaia, próximo ao Hospital das Forças Armadas, como já havia citado e bem ao lado do campinho de areia, onde rolava uma "pelada" da comunidade e , como era sábado, tava rolando...

_ O Tonto sugeriu que enquanto o Gugu fosse fazer as compras para sua mãe, nós ficássemos a assistir à "pelada". Daí, ficamos eu e o Tonto assistindo ao jogo.

_ Caralho Tatu, a pelada tá pegando fogo hein?

_ Pode crer!

Nesse momento, o lateral avançava pelo flanco esquerdo desguarnecido completamente e, quando arrisca um cruzamento, o goleiro grita:

_ Ééé miiinhaaa!!!

Minha uma pinoia! O rapaz foi convicto e objetivo, quando, de repente, a bola deu um quique e o "Mão-de-maionese" tomou o maior peru da paróquia. O rapaz foi "ovacionado" por um cinco minutos...

_ Frangueiro, Piruzeiro, Mão de quiabo! Pede pra cagar e sai!!!

O Neco saiu lá do ataque com a boca espumando só pra xingar o "Mão de Graxa". O Neco era um guri galego com o cabelo da cor de cenoura que quando ficava puto, ficava parecendo um pimentão.

_ Porra véi, por que tu não deixou o Branca agarrar essa porra?

Branca era um brother nosso ( pretinho que azulava), tinha um metro de perna, corria feito um bicho e era bom tanto na linha quanto no gol. A galera chamava o Branca de Paulo Isidoro ( ídolo do Galo Mineiro) nas décadas de 70 e 80.

Sábias palavras: "Não existe momento mais angustiante prum goleiro que a hora do gol". Mas o garoto não se deu por vencido, apesar de sua cara de tacho; pensou em simular uma contusão e passar de vez as luvas pro Branca, mas sabia que a galera não ia "engolir" e iria ficar até mais feio que já tava. Resolveu ficar e ver se fazia alguma coisa para reverter aquele quadro.

Eis que surgia a oportunidade: a bola vinha até sua meta conduzida por negão que parecia o B. A. do seriado "Esquadrão Classe A"; o cara vinha bufando que nem touro de arena; o zagueiro nem teve chance; quando levou um encontrão foi parar no colo do Julião Queixada, o vendedor de din din e que, por sorte, não quebrou o isopor.

_ Vai Muxiba; entra duro nessa bola!!! Gritou o goleiro. Muxiba fez que nem era com ele e saiu da frente da bola.

_ Puta que os pariu!!! Seu frouxo, isso é futebol porra, se não quer contado, vai jogar xadrez! Gritava um coroa do lado de fora se cuspindo todo.

Mas nosso herói "Kid Vaselina" estava destemido e irredutível e, como à espera de um cataclisma permanecia catatônico. Quando vem o negão e desfere o disparo de mil megatons. Foi uma bicuda daquelas que pega na veia e... Vixi Maria!!! A bola acerta em cheio a carapinha do garoto que caiu de maduro no centro do gol.

_ Caralho Tatu! O muleque morreu!

_ Oche, morreu nada, tu tá doido é?

_ É mas que a chapuletada no pé da oreia foi bem dada, isso foi.

_ Pode crer Tonto! Bora lá ver essa parada de perto!

_ Caralho Tatu, o muleque tá tremendo!

_ Oche é não é bom? É sinal que tá vivo. Chamando Dr. Bambey...Chamando Dr. Bambey!!!

_ Oche Tatu, que diabo é Dr. Bambey?!

_ Uai, tu não fala que eu só assisto TV; Dr. Bambey é o médico da "Feiticeira". Toda vez que rola umas paradas esquisitas, ela chama esse cara.

Naquela época passava um seriado de nome "A Feiticeira".

_ Porra Tatu, depois quando a gente diz que tu tá ficando goiaba...

_ Oche, o quê que tem? Eu só tô querendo por um pouco mais de humor na parada xará. Além do mais o muleque já tá se recuperando do megatério que levou na fuça.

A cara do muleque tava vermelha que nem pimentão e tava com os gomos da bola tatuados na buchecha.

_ Acorda Tele; tu não pode morrer não! O jogo ainda não acabou não. ainda falta dez minutos pra partida acabar; depois tu morre! (Tele é a abreviatura de Telebrasília, apelido este que o Marquinho herdou por seu rosto ser um tanto pequeno para o tamanho das suas orelhas que mais pareciam duas antenas da Sky. O cara parecia um Gremlinn.

Branca pegou um copo de água do isopor do Julião Queixada e...

_ Peraí que eu vou jogar uma água na cara dele que ele já se acorda.

_ Acorda Tele! Gritou o Branca derramando a água na cara do Muleque.

De repente o muleque começou a reagir e... O Tele leva o maior cagaço e grita:

_ Aaaaiiii!!!!!

Ao acordar meio grogue, o Tele deu de cara com a cara preta do Branca e desmaiou de novo. Aí o Branca se emputeceu com a viadagem do Tele e deu logo quatro tabefes na cara do Tele que num instante ele acordou. Meio grogue ainda, Tele balbucia com aquela cara de pastel:

_ Não mãe, hoje não tem aula não, me dá um Atari, cadê meu Falcon?

_ Eita porra, o muleque num tá dizendo coisa com coisa.

_ Oche então tá tudo certo! Esse muleque sempre foi meio peidado da cabeça mesmo! Falou o Muxiba zoando o Tele.

_ Tele, quantos dedos tem aqui?

_ Não adianta não gente, o Tele não sabe contar não! Insistia o Muxiba.

_ O Tele concluiu o prezinho pelo supletivo.

_ Não fode Muxiba, o cara tá maus e tu ainda fica aí de babaquice?

_ Porra Telebrasília, tu é doido! Como é que tu vai numa bola daquela?

_ Oche eu não fui em bola nenhuma, ela é que veio em mim. Engraçado, quando eu levei o gol...

_ Gol porra nenhuma... frango! Aliás, nem foi um frango, foi um avestruz.

_ Num tô entendendo, aí a gente tira a bola e vocês vem dizer que tá doido.

_ Calma Tele, tu não precisa ficar empolgado. Foi o mínimo que tu poderia fazer depois daquela presepada que tu fez querendo dar uma de Cantareli.

_ Vão se fuder, se eu levei aquele gol foi por causa dessa zaga que tá mais furada que as meias do meu pai. E tu Muxiba, pensa que eu não vi tu peidar na farofa na hora que o cara vinha com a bola?

_ Ainda bem que eu peidei, porque se eu levo uma chapuletada dessas que tu levou, eu tava era todo cagado.

Passado o susto do Tele que, graças aos deuses, não partiu dessa pra melhor, a pelada recomeçou.

Numa cena de contragolpe do time do Tele surgiu uma coisa, digamos pouco ortodoxa e muito engraçada.

O Bia vinha com a bola pela meia cancha, passou por um dos caras e quando foi passar pelo outro, levou um "rodo" por trás e o juiz apitou imediatamente. O Bia se recompôs logo e correu pra pegar a bola:

_ Deixa que eu bato essa porra!

O Neco vem lá de trás já criando caso de novo mais nervoso, digo, vermelho que quando o Tele tinha levado o peru:

_ Sai daí Bia, tu não sabe bater falta não!

_ Oche, eu que sofri a falta; eu é que vou bater essa porra!

_ Porra galera, ninguém fala nada? Esse pião vai errar!

_ Calma Neco, não ta valendo nada mesmo! Intercedeu o Branca.

_ Então tá; depois não vai dizer que eu não avisei! Insistiu o "tranquilo" Neco.

Bia tomou uns trinta passos de distância, colocou as mãos nas cadeiras e deu aquela cuspidela, olhou pra galera com aquela cara de Clark Gable, deu uma coçada no saco e partiu desembestado para o chute. O Neco virou de costas pra não ver. De repente, "bumba"... o que a gente não imaginava é que a bendita bola fosse acertar a nuca do Neco e espirrar pra lateral do campo.

_ Seu filha da puta, tu fez de propósito , eu vou te matar!

_ Calma xará, foi sem querer!

_ Sem querer vai ser a porrada que eu vou dar na sua cara se viado. _ Cês tão vendo, eu não avisei que esse pião ia errar?

Gritava o Neco desesperado correndo atrás do Bia que tava morrendo de rir. Passada essa cena tragicômica; eis que surge o Palito.

_ Vamo nessa!