Manga Verde

Um dos meus supostos pais trouxera a mim uma boneca, assim que cheguei à minha cidade natal para conhecer minha mãe de ventre. A boneca era loura e estava muito suja,bem maior que a mala que eu carregava. Sutilmente pedi-o para guardar o presente, e acrescentei que depois o buscava. Era complicado explicar ao Senhorzinho que eu preferia na infância os vivos gatos, ou os abraços calorosos que dava nas árvores. Desci a rua. Madrinha com os olhos cor de anil profundos, e tempero inigualável esperava-me. Com aquele chão polido, vermelhinho, e os alumínios espelhos na parede. O lar de madrinha confortou meu coração, e a alma espreguiçou onde se sentiu à vontade. Jeremias, velho amigo de papai chegou.Tivera grande apreço por mim desde a infância. Trazia consigo um papel do Centro Espírita com uma mensagem motivadora, e para minha grande surpresa uma "manga verde”. Pequena e muito dura, levemente enrugada pelo sol.Mesmo depois de alguns anos e eu jamais me esqueci do fruto.

Fora uma grande e inesperada surpresa, daquelas que colorem e renovam o nosso dia,semelhante a alegria de encontrar um Gafanhoto, ou um Louva-Deus,assim do nada. Alegria daquelas de quando, você caminha pela rua,e uma bola perdida corre até você,fugida do jogo das crianças. Mas a manga verde estava num lugar especial. Surpresa clandestina gratuita, sem a mínima intenção de impressionar.

Aprendi com Guimarães Rosa que a felicidade chega de repente, assim aos pouquinhos, em horinhas de descuido. E sempre me surpreendo com coisas que eu não esperava, a qual tocam imensamente o coração.

Gente mineira é gente amiga e simples, que gosta de prosa e café com queijo. Jeremias não esperava nada em troca da minha amizade, afinal eu morava longe. O sentimento que permeara aquele coração era de "boas vindas e amizade genuína".

Até hoje, física e emocionalmente, ganhei muitas mangas verdes, em outros vários momentos especiais, recheados de simplicidade, Os grandes eventos, festas e acontecimentos que planejei, muitos ainda não se concretizaram. Vivem me trazendo risos indecifráveis, composição fantasiada pra memória. A festa de quinze anos, que mamãe prometeu, antes da mesma acontecer, ela partiu. Os juramentos de minha colação de grau, foram feitos por mim mesma, porque minha turma formou-se um ano antes.Sempre esperamos tantas coisas das pessoas, mas elas nos dão somente o que têm. E às vezes, nem mesmo tempo elas possuem... Tim Maia já dizia "Não quero dinheiro, eu só quero Amar”... Na verdade o que mais importava não era a festa, grande e passageira quimera, mas sim, ter ganhado muitas mangas verdes, de mamãe, de meu pai, de amores que elevei o mais alto dos sentimentos,e também amizades, e de alguma forma a recíproca não foi à mesma. Belas infinitas e tristemente efêmeras,como dissera meu querido e estimado autor Rubem Alves.

O tempo passou e Bauman apresentou-me a sua liquidez. Tenho a esperança triste com algumas coisas.Os estigmas ziguezagueiam em minha mente, trazendo um existencialismo poético,com o qual me acostumei,pois sustenta meus dias. Amelie Poulain,aquela moça tão boa e profunda do filme, falava das pequenas alegrias, e essas, vivo intensamente.Nunca experimentei o seu creme brulée, mas no meu menu tem esfiha com bastante chocolate. Não espero nada de ninguém, além de mim e de Deus.Aprendi a cerimonializar o que gosto,e a mim mesma. A vestir meu casaco de borboletas nos eventos estimados,respirar fundo e cruzar as pernas com graça e com gosto. Tranquilidade aprendi um pouco com o papito Bigodão (Nietzsche).

Tornar-me quem realmente sou foi uma aventura e tanto!. Deus não está Morto, e sim cada vez mais vivo dentro de mim. Olho para os dias com olhar atento e calmo, sabendo que ele está no controle de tudo, que trabalha para o que realmente eu sou, através da minha confiança Nele, em teu Filho Jesus e np agraciado Espírito Santo. Amar o próximo como a ti mesmo vai chão. Mandamento osso.Enquanto isso vamos lutando boxe. Meus pensamentos e a erva verde tornaram-se minha religião.

Temperando a vida,eu vou, com minhas mangas verdes, com aqueles momentos que rememoram a novidade e a surpresa com todas as coisas que as crianças têm. Meu filho tornou-se para mim uma obra impressionista, sempre disposta a oferecer luz.Jesus está lá dentro do olhar dele. Rememoro as histórias e casos que mamãe contava, e, mergulhamos as fatias no sal. Ela fora minha rosa na infância, arrancada precocemente do jardim da minha vida. Refletíamos sempre juntas. Os fins de tarde eram intensos, quando embora,muito cedo, ela me falara das intermitências da vida, com assuntos inapropriados a minha idade, quando citava o lado feio do mundo,e as mazelas de nascer mulher.

Captávamos os dizeres do vento sul.Paz,calmaria, quase seis da tarde. O sol agonizando na alaranjada manteiga da tarde. Cheiro de mato ,o cri cri dos grilos, borrachudos teimosos e a gatinha Charlene compunham o cenário. “Agimos certo sem querer, foi só o tempo que errou, vai ser difícil sem você, porque você está comigo o tempo todo, e quando vejo o mar, existe algo que diz, que a vida continua e se entregar é uma bobagem”., dizia a canção do velho Russo, intitulada “Vento no Litoral”. Sim, a vida é Russa, Renato. Não vejo o mar, vejo os campos, e eles me dizem muitas coisas.

Aprenderam a estar sempre de acordo, mar de mato com um sorrisão verde. Por isso creio que não tive muitas afinidades com o mar. Mamãe,após o almoço queria a louça limpa, e andar pelos pastos.Quando as ameaças de uma boa surra aconteciam,eu ficava no topo de uma mangueira á tarde toda.Coincidência, ou não!

Poeta de Borralho
Enviado por Poeta de Borralho em 12/07/2017
Reeditado em 25/09/2017
Código do texto: T6052559
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