IRAPUÃ

I

IRAPUÃ

Eram crianças, e brincavam de pega-pega entre as ruas Cel. Jerônimo Pires e Rua Padre Norberto. Espalhavam-se até aos muros da casa Paroquial indo muitas vezes até ao muro do Hospital Dr. José Alventino Lima, mas tinham medo da capela que funcionava também como necrotério.

Estudavam juntos no Grupo Escolar Prof. Alfredo Reis. Crianças unidas, como unha e carne pareciam mesmo inseparáveis, apesar de morarem, uma na parte baixa da cidade, próxima aos Artífices e a outra na parte alta já perto dos casarões no alto Novo Horizonte. Cresceram livres como toda criançada de seu tempo, livres até se tornarem adolescentes vigorosos. Ambos aprenderam boas profissões. Agamenon aprendeu com os pais a arte de ourives e era ótimo relojoeiro. Barto, que chamavam Bartinho, estudou música com Seu Lau tornou-se ótimo músico.

Durante o Carnaval na cidade, ainda de madrugada, as ruas eram invadidas pelos caretas, homens e algumas mulheres animados, disfarçados com máscaras. Munidos de tintas, ovos crus, água suja e chicote nas mãos saiam a assustar as pessoas. Sujavam-nas com aqueles produtos que levavam e davam umas chicotadas de leve, obrigando-as a entrarem na farra e na alegria da festa.

Durante todo o dia, os matutos que se aproximavam da cidade eram surpreendidos, porém, acabavam aderindo e a festa ia cada vez mais ficando animada.

Ao anoitecer, a cidade pequena de Belém de São Francisco, se dividia entre os três Clubes, o Teatro, clube dos morenos e os Artífices. Mesmo assim, todos eles lotavam, haja vista a presença de visitantes e convidados de cidades vizinhas.

A banda que animava todas as festas era os Sombras, formada por: Seu Lau, trompetista; Bembem, irmão de Seu Lau, baterista; Gildo de Antônio Moreno, tecladista; José Cordeiro filho do tio Sintô, carinhosamente chamado de Dezão, por ser o mais alto entre eles, era o Saxofonista; Erasmo de Beto, guitarrista; Luís da Ilha Grande no contrabaixo; e o Ariovaldo sarará era o cantor.

A festa era no velho Teatro, era festa de branco, negro nem moreno entravam, só se fosse para cantar ou levar bebida, cerveja, etc. Nos fundos do velho Teatro havia uma parte de terra e nasceu muita mamoneira e uns barcos velhos de ferr que outrora foram de um Parque que pelo jeito não vingou. Ali era o ponto preferido dos safados que no meio da festa arrastavam as donzelas embriagadas, abusavam delas e as deixavam ali mesmo no meio das mamoneiras.

Pela manhã querendo botar a culpa em alguém diziam que foi algum negro, mas, sem saber quem, saiam com suas cauçolas rasgadas, cambaleantes semi nuas tateando o caminho de suas casas.

Normalmente eram rejeitadas ou ficavam no caritó, iam para cidade grande a casar-se com algum suposto sabidão.

Lá para os lados do Clube dos Morenos, todos eram metidos a valentões. Ali também não entrava nem negro e nem branco, porém, de vez por outra aceitavam um branco, que só se aproximava quando estava de olho em alguma morena. Por sinal, muito mais bonitas do que muitas brancas. Naquela época eram perigosos por que, metidos a valente como eram, se desconfiassem de alguma coisa arranjavam logo um quebra pau.

Lá para os escanteios da vida, ou seja, o mais afastado do centro, naquela época, era o clube mais animado, mais cheio de gente, o Clube dos Artífices. Clube dos negros. Ali entrava: Indio, Sarará, Ruivo, Maracajá, Pardo, Cinzento, Rabujento, Reluzente, tracajá, Borocochó, menos branco e moreno. Uma ocasião entrou inadvertidamente um branco. Seu menino voou cadeira e mesa para todos os lados e o cabra saiu avoado que perdeu o chapéu e a camisa, nunca mais quis saber de clube de negro e pela carreira que deu acho que nem clube de branco.

Nessa outra ocasião, já não existia mais o Velho Teatro onde transcorriam as festas, e também se projetavam aqueles velhos filmes de fitas quebradiças. Agora Eudim , filho da cidade, construiu um enorme prédio exclusivamente para cinema e se chama “CINE IRAPUÔ. Os filmes vindos da capital Recife, eram anunciados por difusoras situadas no alto do prédio e no alto do Mercado Municipal. Todo final de semana uma grande fila se forma para assistirem aos filmes. Dessa vez vai ser projetado “O Navio Condenado”, com Gregório Peck.

Aqueles outrora meninos que brincavam de pega-pega pelas ruas e calçadas da cidade cresceram e já são adolescentes. Eram meninos alegres e aparentemente felizes, mas carregavam um drama em seus corações.

Quando se interessavam por uma garota, logo o outro também se interessava pela mesma garota. Eles, porém, deixavam que a garota decidisse com quem queria ficar e estavam conversados, aceitavam numa boa. Mas o fogo da paixão pregou neles uma controvertida peça. Conheceram uma linda garota recém chegada, a Anabela. A fulminante e avassaladora paixão parecia maior do que seus corações.

Barto, o bartinho, andava eufórico e caído de amores e a moça correspondia. Ele temia que o amigo a conhecesse, com receio de que ele a cortejasse. Mal sabia ele que Anabela já estava de namorico com o seu amigo Agamenon. Foram levando, e ela controlava, de forma que os dois, não desconfiavam um do outro. A paixão foi crescendo e se tornando difícil. Porém, intuitivamente, os dois já estavam com certeza de que estavam no mesmo barco ou no mesmo coração. Daí nasceu o ciúme de paixão, triste e perigoso. Nenhum queria ser descartado por Anabela.

Nesse dia, no meio da tarde, ela decidiu que iria escolher um dos dois. Essa tarde passava como raio e chegando a noite, a fila para entrar no Cine Irapuã era enorme.

De repente, armado com uma enorme peixeira de doze polegadas, entrou correndo, angustiado e como louco, nos três degraus que levava ao andar de cima do cinema, Bartinho esfaqueou Agamenon, que devido a situação já andava armado, e ainda com a faca cravada em suas costa, sacou o seu trinta e oito desferindo vários tiros em seu amigo Bartinho. Ambos caíram em meio a poça de sangue. O povo ainda que assustado e traumatizado arrodeou os corpos. Os dois foram postos no fundo da caminhoneta de Iôô de Licínio e levados para Floresta do Navio. Agamenon já chegou sem vida e Barto após vários meses saiu do Hospital, paraplégico.

Só Anebela e umas poucas amigas sabiam do desenlace e chorava desconsoladamente. Sua família se mudou da cidade. Barto, agora triste arrependido e solitário passou embriagar-se. Sentando-se no degrau do Mercado Municipal de Belém, pega seu trobone e entoa lindas e tristes músicas.

NATINHO SILVA
Enviado por NATINHO SILVA em 12/07/2017
Reeditado em 13/11/2024
Código do texto: T6052094
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